H.P. Lovecraft se transformou em um ícone da cultura popular ao longo do tempo. Por meio de sua literatura onírica e com proporções cósmicas, recheada com forças imensamente superiores e incompreensíveis pelos seus personagens, inspirou diversos escritores e artistas, tendo suas criaturas pitorescas presentes até hoje no consciente popular.
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Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) |
Toda a literatura "lovecraftiana" se baseia na existência de entidades cosmológicas que anseiam pela dominação terrena, inspirando loucura naqueles que tentam as compreender. Dentre suas histórias mais famosas, "Cthulhu" e "Nyarlathotep" são figuras recorrentes, criando, por meio de diversos contos e histórias curtas, uma mitologia densa e grandiosa.
Lovecraft apresenta uma temática recorrente durante seus textos. A loucura, advinda do desconhecido e do bizarro, expandindo a mente humana em um ponto em que o imaginário e o real comungam, talvez seja a principal temática lovecraftiana, de onde tudo o mais se desdobra e toma proporções variadas. Com a consciência de uma realidade maior e grotesca, são formados cultos e seitas em que homens retornam a um estado primal para tentar contactar essas grandiosas entidades. O estado natural desses indivíduos, na perspectiva de Lovecraft, no entanto, é apresentado como algo bruto e violento.
Da mesma forma, Thomas Hobbes descreveu o estado natural do homem em sua principal obra: "O Leviatã". Thomas Hobbes foi um filósofo inglês da era moderna defensor do absolutismo e do "Contrato Social". Para Hobbes, como o "Homem é o lobo do Homem", ou seja, o homem é tão ganancioso e destrutivo que tem a capacidade de se auto-destruir, um Estado absolutista deveria se impor para controlar tamanha ferocidade. O contrato social, para Hobbes, portanto, é uma forma de assegurar o controle dos desejos torpes dos homens por meio da repressão social.
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Thomas Hobbes (1588 - 1679) |
Mesmo não sendo um pensador político, Lovecraft discretamente se aproveita das ideias hobbesianas para escrever sobre suas entidades. Hobbes, ao chamar o Estado de "Leviatã", materializa-o em um mostro abissal e grotesco, assim como as criaturas de Lovecraft. Criaturas essas que, ao se infestarem pela Terra, anseiam pela dominação do homem, criatura selvagem e bárbara.
É interessante realizarmos esse paralelo para entendermos mais tanto o pensamento de Hobbes quanto a literatura de Lovecraft. No poema em prosa "Nyarlathotep", por exemplo, a entidade homônima, vestindo o manto de faraó, percorre o mundo em busca de fieis, conquistados com o auxílio de um aparato místico que os fazem perder a noção daquilo que os cerca, tornando-os puramente uma massa para ser facilmente manobrada.
Essa é, essencialmente, a descrição do governante hobbesiano. É claro que, para o pensador, esse líder - caracterizado geralmente como um rei - deve se assegurar da proteção de seus súditos e não deve ser injusto. Apenas dessa forma, os homens poderiam viver em harmonia, com a liberdade inibida pelas mãos de um Estado absolutista. Assim, entretanto, os poucos que possuem a vontade de mudar ou de criticar são rapidamente excluídos da sociedade, por meio da violência do Estado, que a monopoliza.
Em contra partida, Lovecraft se utiliza das ideias hobbesianas, mas as contraria. Enquanto que o Leviatã é a solução para Hobbes, as entidades do universo lovecraftiano são ameaças à sobrevivência humana - ou ao menos, da integridade humana. Dando protagonismo àqueles que tentam combater os males de Chtulhu, Lovecraft dá protagonismo aos homens que buscam se desvincilhar da opressão e tentam buscar outras soluções a partir do racionalismo humano, mantendo as características individuais.
Portanto, ao fim do texto, deixo apenas uma reflexão. De certo, Hobbes acreditava no potencial de destruição humana, enquanto Lovecraft acreditava no potencial transformador da realidade ao redor. Porém, o que seria melhor: Curvar-nos ao Leviatã ou acreditar na bondade de lobos?
Texto de Lucas Barreto Teixeira
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