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Mostrando postagens de julho, 2018

Reflexões de uma noite qualquer

As manhãs nascem quentes na Bahia. A noite, com seu véu estendido, dona de seus filhos, é abruptamente expulsa pela claridade radiante. Apesar da origem carioca, ainda sim senti o calor tropical e afrodisíaco tomando suas proporções enquanto penetrava na privacidade do meu leito. Era uma sexta-feira, meu penúltimo dia em Porto Seguro, e estava abarrotado de trabalho. As férias estavam sendo invadidas pelas minhas obrigações e amores literários, mas podia tirar aquela manhã para descansar. Na mochila, guardei uma canga, um livro e a esperança de um bom dia. Saindo do hotel, logo vi a contida multidão de turistas se dirigindo para a praia. Driblei a massa de corpos, ganhei a areia e caminhei pela costa, molhando minhas pernas nas águas macias de Iemanjá. Sabia, de outras idas àquela praia nos dias anteriores, que poderia caminhar até uma laguna, onde água doce e salgada se encontravam, conferindo àquela parte em especial uma temperatura agradável aos banhistas ali presentes. Confor

Fake News Históricas

Vivemos em uma ano de disputa eleitoral. Após as crises políticas e econômicas que se deram no cenário social brasileiro, candidatos de integridade questionáveis já se deleitam com seus recursos de propaganda para difundir suas "ideias" para o público eleitor, que cada vez mais se divide por conta de divergências ideológicas. Nesse contexto, surge um novo elemento capaz de alterar todo o resultado desse período: as chamadas "Fake News", boatos em forma de notícias tendenciosas com o intuito de desvirtuar o público eleitoral. Apesar da discussão ampla ao redor do assunto, a disseminação de notícias falsas não é uma novidade no campo político. A diferença dessa prática no passado e atualmente se encontra nas redes sociais, principais responsáveis do fluxo de informações. Dessa forma, grupos políticos expandem suas ideologias pautando-se em boatos, rumores e invenções. Ao voltarmos um pouco no tempo, na própria história brasileira, podemos ver esse tipo de prática

Bukowski e Rubem Fonseca - A literatura amoral

De um lado, um bêbado, depreciativo, caricato e sarcástico. Do outro, um intelectual, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais, policial brilhante e professor universitário. As divergências ao redor de Charles Bukowski e Rubem Fonseca, em caráter pessoal, são tantas que, talvez, não coubessem somente neste texto. No entanto, é inquestionável a semelhança entre as obras dos dois escritores, não tanto na temática, mas na visão da realidade para cada um. Charles Bukowski (esquerda) e Rubem Fonseca (direita). Filho de um soldado norte-americano e de uma jovem alemã, Henry Charles Bukowski Jr. buscou, pela escrita, um propósito para sua vida despretensiosa. À base de bebidas, sexo e drogas, o escritor não apenas fascinou gerações com sua escrita veloz e depreciativa, como também pôs um fim à Geração Maldita dos Estados Unidos. Tendo um caráter auto-biográfico, suas obras sempre refletiam sua vida depressiva e niilista, sem ambições e sem caráter. Dessa forma, Bukowski não apenas f

O Apanhador no campo de centeio e a dolorosa convivência social

Jerome David Salinger, no dia 16 de julho de 1951, publica seu maior romance. Em "O Apanhador do Campo de Centeio", Holden Caulfield aparece como protagonista da trama desenhada pelo autor, que com um viés melancólico e desesperançoso desenha as ruas de uma Nova York de solidão e de desamores. Holden, um adolescente recém-expulso de seu colégio por ter reprovado mais um ano, vê-se em uma tentativa de fuga do Instituto de Educação, da família e, principalmente, de sua própria vida, despretensiosa e sem qualquer valor. O jovem então busca encontrar apenas um caminho para que se possa tolerar sua existência. J. D. Salinger (1919 - 2010) Um dos pontos importantes para a popularização de "O Apanhador no Campo de Centeio" foi, sem dúvida, o apelo marcante de Salinger aos jovens. Nesse caso, Holden Caulfield não é mais que apenas um adolescente indeciso e mergulhado em uma depressão profunda por conta das expectativas geradas em torno dele. Desde a morte de seu ir

Os Amargurados e Errantes da literatura brasileira

Sem qualquer sombra de dúvida, a literatura brasileira é um dos maiores ícones culturais no contexto tanto nacional quanto mundial. Importando e exportando conceitos, personagens e estilos, ela foi capaz de alimentar a imensa demanda de produção literária das atormentadas mentes presentes na vastidão dessa pequena Terra. E é de um grande personagem da literatura que desejo explorar neste limitado texto. Apesar de não ser tão marcante quanto as “mulatas”, ou dos “burros” e “ignorantes”, arquétipos que, creio eu, são encontrados, juntos com tantos outros, em grande parte das escolas literárias, acredito que sua importância, em muitos casos, suplante a caricatura satírica, provocadora e enfadonha. Refiro-me, no caso, aos errantes amargurados da literatura brasileira. Ao meu ver, um dos personagens mais icônicos e amargurados na literatura é Bentinho Santiago, o Dom Casmurro, de Machado de Assis. O romance, até hoje amplamente debatido por acadêmicos e leitores, trata-se das memór

A Morte de Pedro Gonçalves - [COMPLETO]

O Escritor Já era noite. O dia tinha passado rápido demais. Nada de novo ocorrera na vida do homem.  Fumava na varanda de seu apartamento. Uma mulher o aguardava na cama, dormindo, com seu pagamento na cabeceira e com as roupas largadas no chão. Uma coluna de fumaça cinza correu pelos seus lábios e voou pelo horizonte escuro da cidade. As ruas, iluminadas pelos postes velhos e enferrujados, estavam desertas. Nenhuma alma viva passava por ali. Uma última tragada queimou superficialmente os dedos que seguravam o cigarro. Deixou as cinzas caírem das alturas, sendo levadas pelo vento bucólico da escuridão dilacerante. Sentia um imenso peso no peito. Precisava molhar a garganta. Levantou-se e deixou para trás a noite cálida de inverno. O quarto era iluminado apenas pela fraca luz de um abajur em sua escrivaninha, revelando a pele clara da mulher em sua cama. Passou por ela e alcançou a sala, onde pilhas e pilhas de livros obstruíam a passagem. Deu o melhor de si para alcan