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Mostrando postagens de dezembro, 2018

Palavra do Poeta - [Completo]

21 de dezembro Hoje conseguimos fechar o estoque da loja. Chefe juntou eu, o estagiário e Douglão. Queria dar bônus de Natal, mas só se trabalhar no feriado. O estagiário ficou logo tremendo. Falou que não podia trabalhar porque tem família católica. Acho que amanhã já ele vai ser substituído. Tem desempregado a rodo aí fora. Só anunciar emprego que já vem nego até da baixada para vender presente para criança de Zona Sul. O segredo do negócio é nunca falar não, tá ligado? Eu e Douglão sabemos bem disso, então aceitamos. Sei que Douglão tem família, por isso ele saiu meio bolado da loja. Amanhã vou tentar bater um papo com ele. Ver se dá para o chefe desenrolar uma folguinha pelo menos no dia 24. Eu posso até cobrir o turno dele. Não me importo muito. No caminho pra cá vi aquela novinha de novo no ponto. Dessa vez fiquei esperando para ver qual busão ela pega. O sol fica forte nesse fim de tarde abafado e laranja, e o uniforme me sufoca um pouco no pescoço. Mas ainda assim consegui f

Palavra do Poeta - Dia 24 de dezembro

Acesse a Parte I Acesse a Parte II Acesse a Parte III 24 de dezembro Então é natal. Ao menos, será daqui a alguns minutos. Por isso, vou me apressar para escrever sobre hoje. Quando cheguei na loja hoje, não me deixaram entrar lá. O chefe ficou me encarando como se nem me conhecesse. E quando ameacei de entrar à força, chamaram seguranças. Fiquei abalado. Não sabia bem o que fazer. Ou o que sentir. Ainda não sei, na verdade. É aterrorizante ficar sem trabalho. Ele meio que dá um propósito, saca? Mas sempre que fico desempregado me sinto livre, sem saber ao certo como será o dia de amanhã. E isso é... não sei se existe uma palavra certa para isso. Sabe quando você sente essa luz, dentro do seu peito que, ao mesmo tempo que tira seu ar de tanto sufoco, te dá horizonte de novos caminhos? Estava feliz, na verdade. Então liguei para Lívia, minha nova mina. Perguntei se queria passar o natal comigo. Ela perguntou para onde iríamos. Eu disse para ela confiar em mim. Oh! Já

Palavra do Poeta - Dia 23 de dezembro

Acesse a Parte I Acesse a Parte II 23 de dezembro Quando cheguei no trabalho, Douglão saiu chorando do escritório do chefe. Quando ele me viu, veio em minha direção, com um olhar que mataria um animal. Deu um berro e esmurrou minha cara com um soco que só vi em filme de gringo na tevê. Mathias conseguiu puxar Douglão para trás enquanto ele gritava: “Imbecil! Babaca!”, além de outras baixarias. Uns seguranças do shopping viram a confusão e levaram o Douglão. Não estava entendendo nada, até que o chefe veio me ver. Ele tinha demitido Douglão. Começou com uma série de desculpinhas como: “corte de gastos”, “tempos de crise” e “dificuldade econômica”. Entendi então que eu fui o responsável pela demissão de Douglão. Abaixei os olhos, concordando com o chefe. Pior que Douglão era um cara legal. Fui lavar o rosto, a mando do chefe, para tirar a mancha de sangue que escorria do meu nariz. Quando sai do banheiro, já tinha um cara no lugar de Douglão. No meio da tarde, o chefe me cha

Palavra do Poeta - Dia 22 de dezembro

Acesse a parte I 22 de dezembro Quando cheguei hoje na loja, o chefe já esperava com um novo estoque. Como suspeitava, o estagiário tinha sido substituído por outro. Ele pareceu ser gente boa. Veio lá de São Gonçalo, um pai de família, trabalhador e bastante engraçado. Acho que seu nome é Mathias. Ou Matheus. Não entendi muito bem porque ele tem esse problema de língua presa, o que faz dele ainda mais engraçado. Arrumamos os brinquedos nas prateleiras e esperamos dar as horas para abrir. Fiquei com Mathias e Douglão fumando cigarro nos fundos. Douglão estava com essa cara feia que ficam os homens quando se dão por perdido na vida. E ele de fato estava. A patroa comeu o couro do homem por não ter tido colhão de ir contra o chefe. Coitado do Douglão. Tem uma mulher que nunca vai entendê-lo. Hoje o movimento foi mais fraco que ontem, mas ainda assim conseguimos esvaziar a maior parte do estoque. No final do expediente fui falar com o chefe. A sala dele é grande e confortável,

Palavra do Poeta - Dia 21 de Dezembro

21 de dezembro Hoje conseguimos fechar o estoque da loja. Chefe juntou eu, o estagiário e Douglão. Queria dar bônus de Natal, mas só se trabalhar no feriado. O estagiário ficou logo tremendo. Falou que não podia trabalhar porque tem família católica. Acho que amanhã já ele vai ser substituído. Tem desempregado a rodo aí fora. Só anunciar emprego que já vem nego até da baixada para vender presente para criança de Zona Sul. O segredo do negócio é nunca falar não, tá ligado? Eu e Douglão sabemos bem disso, então aceitamos. Sei que Douglão tem família, por isso ele saiu meio bolado da loja. Amanhã vou tentar bater um papo com ele. Ver se dá para o chefe desenrolar uma folguinha pelo menos no dia 24. Eu posso até cobrir o turno dele. Não me importo muito. No caminho pra cá vi aquela novinha de novo no ponto. Dessa vez fiquei esperando para ver qual busão ela pega. O sol fica forte nesse fim de tarde abafado e laranja, e o uniforme me sufoca um pouco no pescoço. Mas ainda assim conseg

As ameaças do conspiracionismo brasileiro

Em 1993, os agentes especiais do FBI Fox Mulder e Dana Scully ficaram mundialmente conhecidos na série de televisão "Arquivo X". Nela, a dupla, investiga, a cada episódio, um caso aparentemente sobrenatural nos Estados Unidos. A série, entretanto, não chamaria tanta atenção não fosse a química perfeitamente balanceada entre Mulder, um homem traumatizado pelo desaparecimento súbito da irmã, fazendo-o acreditar em suposições místicas e pouco científicas, e Scully, uma protagonista cética e pragmática, que sempre pauta suas investigações no racionalismo lógico e científico. Em tal configuração, grande parte dos episódios divide o público, por vezes astucioso como Scully, e por vezes conspiracionista como Mulder. "Arquivo X" teve, em grande parte, seu sucesso ocasionado pelo sentimento de dúvida ao redor do imaginário americano. Decerto, apesar da série apresentar o questionamento como artifício de defesa à integridade humana, visto que no universo ficcional da