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Mostrando postagens de março, 2021

Bela Vingança - aperfeiçoando a narrativa

   Acesse aqui os demais textos da série: Minari Mank Os 7 de Chicago Judas e o messias negro Não há nada mais comum no cinema que a vingança. É a motivação mais antiga, mas simples e mais eficiente a se usar quando uma narrativa é construída, e de alguma forma nunca envelhece. "Bela Vingança" se apresenta assim: buscando contar uma história conhecida, sem muitas surpresas, apenas para subverter as expectativas ao revelar enredo maduro e impactante. Ao usar de uma narrativa tão comum, a diretora Emerald Fennell estabelece relações com o público íntimas para dizer a que veio. Dizer que "Bela Vingança" é novo pode ser falso, mas constar que inova é lhe fazer justiça. Hoje em dia existem inúmeras obras de premissa semelhante: uma mulher violentada por homens deseja vingança e passa a persegui-los, e em um primeiro momento o filme não nega sua simplicidade, referenciando seus semelhantes e comemorando-os.  Afinal, a película segue Cassandra Thomas (Carey Mulligan), uma

A força em Judas e o messias negro

  Acesse aqui os demais textos da série: Minari Mank Os 7 de Chicago De todos os filmes abordados até o momento, "Judas e o messias negro" é o que, para mim, tem mais chance de ganhar a premiação. Não que isso seja indicativo para qualquer mérito do longa em si, mas acho importante destacar essa questão. Merecedor ou não, com certeza é um que mais se destaca, seja pela sensibilidade da direção de Shaka King ou pela história abordada em si, há muito que se pode extrair do longa. Gostaria apenas de ressaltar um ponto importante trazido já no primeiro texto do presente especial do Oscar: nenhum filme vale arriscar sua proteção e saúde. Não saia de casa para se expor em uma sala fechada quando tais filmes podem ser encontrados de outras formas pela internet, ou apenas espere sair em serviços de streaming para apoiar a produção financeiramente. Tendo isso em mente, prossigamos. "Judas e o messias negro" é baseada na relação verídica entre Fred Hampton (Daniel Kaluuya), u

Os 7 de Chicago - uma catarse bem empregada

  Acesse aqui os demais textos da série: Minari Mank Desde " eu, Tonya ", vi-me encantado com esse estilo de filme biográfico, misturando o real com a ficção, quebrando a expectativa do drama com humor em momentos certos. Claro, esse estilo é bem mais antigo, mas criou-se uma certa fórmula em tempos recentes que rendeu excelentes títulos até então. E "Os sete de Chicago" é o exemplo perfeito disso. Um elenco primoroso, um roteiro bem amarrado, um acontecimento histórico interessante e uma direção competente são capazes de qualquer coisa. O longa retrata um julgamento recorrente de uma grande manifestação em Chicago, onde uma chacina aconteceu, com policiais atacando manifestantes e prendendo diversas lideranças políticas de movimentos sociais variados, que lutavam contra a Guerra do Vietnã. Por se tratar de um julgamento de motivação política, cheio de arbitrariedades e contradições, todo o episódio rendeu uma história interessante o suficiente para criar uma catars

O papel da releitura em Mank

Acesse aqui o primeiro texto da série: Minari Ame ou odeie, é impossível descartar a importância de Orson Welles no mundo das artes contemporâneo. Sua obra cinematográfica até hoje é lembrada como o que há mais de brilhante, e suas técnicas abriram mundos a gerações seguintes. Portanto, quando "Mank" estreou, não perdi sequer um segundo para assisti-lo, com uma certa dose de expectativa que não foi completamente atendida.  Não há como falar de "Mank" sem dizer uma ou duas palavras sobre "Cidadão Kane", afinal o longa se trata de como o roteiro da suposta obra-prima de Welles foi criado. O clássico conta a história de vida de Charles Foster Kane, interpretado pelo próprio diretor, a partir de suas últimas palavras antes de morrer. É um filme espirituoso, profundo, atemporal e transformador. E mesmo não sendo sua melhor obra ("Verdades e Mentiras" é o cinema de Welles em seu estado mais puro e seu filme póstumo "O outro lado do vento" é o

Minari - um retrato cruel da ambição

 "Minari", assim como tantos outros filmes durante o período de quarentena, passou despercebido, até ser vencedor do globo de ouro de melhor filme de língua estrangeira (apesar de ser um filme americano). Contradições à parte, confesso ter ficado bastante curioso com o longa, até ver seu nome na lista de melhores filmes do Oscar de 2021, fazendo-me por fim render-me a ele. E fico feliz de ter me rendido. Para começar a série especial dos filmes do Oscar desse ano do Caderno Do Escritor, "Minari" é um tremendo ponto de partida. Antes de começar a falar sobre o longa, preciso fazer uma confissão. Por conta de toda a situação em que nos encontramos, recusei ver qualquer filme no cinema, respeitando as medidas de segurança e proteção da OMS (e de todas as pessoas com bom senso). Dessa forma, precisei recorrer a métodos não ortodoxos para acessar a maior parte dos longas a serem abordados ao longo das próximas semanas. Infelizmente, "Minari" não é um dos filmes

Snyder Cut - Vale a pena?

 O gênero de filmes de herói está saturado há tempos. Com pouco espaço para inovação, tendo os holofotes sempre voltados às produções de grandes estúdios, é difícil ver algo de novo. Dessa forma, o mercado parece se alimentar de grandes eventos, seja com " Vingadores: Ultimato ", que se transformou em algo além de um mero filme, ou com o lançamento recente do corte de "Liga da Justiça" realizado por Zack Snyder, aguardado e motivado por uma legião de fãs. É difícil não ter ouvido falar do chamado "Snyder Cut". O que começou como uma espécie de brincadeira com o fiasco de "Batman vs Superman", de 2016, ganhou forças quando "Liga da Justiça" estreou nos cinemas, em 2017, apagando a visão criativa do diretor para apelar a um produto mais mastigável, com o corte final feito por Joss Whedon, diretor do primeiro filme dos "Vingadores", de 2012. Ao consumir o produto final, cheio de falhas, inacabado e sem coesão, no geral, o público

Apague a luz se for chorar

 A morte é um dos mais importantes temas trabalhados na literatura. Não é à toa, claro, afinal não há nada mais natural do que ela. É nossa companheira injustiçada, eterna na certeza quanto à vida e desagradável de ser lembrada. Poderia facilmente discorrer como um ou outro autor lida com o efêmero da vida, ou como tantos outros sabem dilacerar o coração de seus sôfregos personagens com tanta sensibilidade, mas nada disso seria novidade. Portanto, assim que li os primeiros capítulos do romance de Fabiane Guimarães, sabia que encontrara algo novo e autêntico na forma de se escrever sobre essa tão sensível face da vida. "Apague a luz se for chorar" se apresenta sem pretensões. Tudo começa com Cecília, uma mulher desamparada pela morte tranquila e pacífica de seus pais, partindo juntos, dormindo abraçados. Vendo-se órfã, retorna da metrópole para sua bucólica cidade natal, antiga, agreste, receptiva. Não há aqui um grande mistério ou uma grande trama prestes a se desenrolar - ap

Eu não consigo ler na quarentena

É verdade. Eu não consigo ler os vários livros empilhados em minha cabeceira, não consigo ver filmes interessantes nem séries do momento. Aliás, nem jogar sem um imenso esforço consigo mais. Angústia? Desinteresse? Ócio? Um pouco de tudo? Sei bem que não sou o único, aliás nem de longe, sofrendo desse problema, então resolvi escrever sobre isso. Estou apelando para experiências pessoais já que estou ficando sem pauta? Com certeza. Mas vamos ver se esse estilo funciona. Quem sabe o cerne da questão apareça aqui. Esses dias (o colapso da sociedade enquanto conhecemos) estão muito estressantes (é inevitável e iminente), não consigo me concentrar (e não consigo deixar de gritar em desespero). O lazer é um direito humano essencial. Alienar-se é, por muitas vezes, a única forma como podemos encontrar conforto no meio do caos. E sim, as coisas sempre funcionaram assim, mas a rotina sistemática imposta pelo modelo socioeconômico vigente conseguia fazer a gente se esquecer disso... e era mais f

Astral Chain é uma joia perdida no deserto

 Em 2019, em seu lançamento, Astral Chain foi recebido de forma modesta pelo público. Tendo vendido pouco mais de um milhão de unidades mundo afora, o novo jogo da companhia Platinum Games certamente atraiu seus fãs, mas permaneceu fora dos radares com tantos novos anúncios do período. No entanto, após um ano e meio de seu lançamento, por fim consegui colocar as mãos nele... e sou incapaz de tirá-lo da cabeça desde então. Astral Chain é uma joia perdida em um deserto, e são vários os motivos para a obra ser tão boa. Cyberpunk está em alta esses dias. Muitos lamentam o desastroso lançamento do aguardado Cyberpunk 2077 e outros discutem sobre a natureza das narrativas do gênero. No entanto, apenas com Astral Chain consegui me lembrar o que me agrada tanto em tais narrativas. Afinal de contas, não basta iluminar um cenário abandonado com neon para definir-se em tal estética. Em Akira e Gosth in the Shell, a arte e o traço servem apenas de pano de fundo para a história, sempre servindo en