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Mostrando postagens de maio, 2018

This is America e a Era Disruptiva

Nesses últimos meses, a internet enlouqueceu com o novo clipe musical de "Childish Gambino". O que chamou atenção do público em geral são as diversas críticas abordadas pela letra em conjunto com a performance artística do ator Donald Glover a respeito de grandes problemas contemporâneos, envolvendo racismo, apropriação cultural e violência. Cena do clipe musical de "This is America". Acesse a música aqui. Mais do que a violência abordada nas entrelinhas do rap, "This is America" conta sobre uma geração inteira mergulhada no descaso social proveniente de costumes tecnológicos e disruptivos criados e estabelecidos no início desse século. Esses elementos são vistos muito claramente ao serem mostrados crianças com seus aparelhos ligados, alheios aos fatos de um ambiente caótico e violento. Donald Glover evidencia ainda mais esses problemas da hipermodernidade ao se exibir, puxando para si o foco da câmera, como se não quisesse mostrar ao espectador o

A hora da estrela - A epifania da morte

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré- história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.  Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré- pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta história d

Belchior, Eça de Queiroz e a juventude de cada um

Em 1976, o cenário musical brasileiro recebeu uma de suas mais belas composições artísticas. "Como nossos pais", música composta por Belchior e com sucesso legitimado pela voz de Elis Regina, fala sobre desilusões da juventude, de sonhos, fracassos e repressão. Afinal, em 1976 o Brasil passava por um de seus mais conturbados e tenebrosos anos, regido por um governo autoritário civil-militar. Com a forte repressão proveniente desse período, os jovens, revolucionários e grandiosos em suas mentes pequenas e inexperientes, perderam seu principal gosto de existir: a liberdade. Antônio Carlos Belchior; ou "Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes", o maior "nome" do MPB, literalmente. (1946 - 2017) Para explicar a temática linda e monumental de "Como nossos pais", destacarei breves e pontuais elementos presentes no livro "Os Maias", de Eça de Queiroz, um dos maiores escritores realistas de Portugal. Nessa obra, o autor narr

1984 - Vigiar a loucura, punir a arte

Era um dia frio e ensolarado de abril, e os relógios batiam treze horas. Winston Smith, o queixo fincado no peito numa tentativa de fugir ao vento impiedoso, esgueirou-se rápido pelas portas de vidro da Mansão Vitória; não porém com rapidez suficiente para evitar que o acompanhasse uma onda de pó áspero. O saguão cheirava a repolho cozido e a capacho de trapos. Na parede do fundo fora pregado um cartaz colorido, grande demais para exibição interna. Representava apenas uma cara enorme, de mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços rústicos mas atraentes. Winston encaminhou-se para a escada. Inútil experimentar o elevador. Raramente funcionava, mesmo no tempo das vacas gordas, e agora a eletricidade era desligada durante o dia. Fazia parte da campanha de economia, preparatória da Semana do ódio. O apartamento ficava no sétimo andar e Winston, que tinha trinta e nove anos e uma variz ulcerada acima do tornozelo direito

H.P. Lovecraft e a política hobbesiana

H.P. Lovecraft se transformou em um ícone da cultura popular ao longo do tempo. Por meio de sua literatura onírica e com proporções cósmicas, recheada com forças imensamente superiores e incompreensíveis pelos seus personagens, inspirou diversos escritores e artistas, tendo suas criaturas pitorescas presentes até hoje no consciente popular. Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) Toda a literatura "lovecraftiana" se baseia na existência de entidades cosmológicas que anseiam pela dominação terrena, inspirando loucura naqueles que tentam as compreender. Dentre suas histórias mais famosas, "Cthulhu" e "Nyarlathotep" são figuras recorrentes, criando, por meio de diversos contos e histórias curtas, uma mitologia densa e grandiosa.  Lovecraft apresenta uma temática recorrente durante seus textos. A loucura, advinda do desconhecido e do bizarro, expandindo a mente humana em um ponto em que o imaginário e o real comungam, talvez seja a principal temática

O mito da caverna de Platão em The Wall

I want to go home Take off this uniform and leave the show And I'm waiting in this cell because I have to know Have I been guilty all this time? A construção narrativa em muitos casos segue arquétipos definidos anteriormente. A tragédia grega, principal fonte desses arquétipos, está recheada com temáticas que posteriormente foram - e ainda são - adaptadas. O mito de Édipo, por exemplo, serviu como base para romances de Eça de Queiroz, Balzac, Flaubert , e muitos outros, assim como os heróis gregos serviram para ser criada a "Jornada do Herói", termo estabelecido por Joseph Campbell ao comparar diferentes histórias como "Senhor dos Anéis", "Star Wars" e outros. Um dos mais importantes arquétipos estabelecidos na Grécia Antiga, no entanto, não foi por meio da tragédia, e sim, pela filosofia. Platão, ao estudar e observar a sociedade grega da época, criou uma analogia em que definiu a ignorância - ou ao menos, como os indivíduos são cond

Manuel Bandeira - A eterna convivência com a morte

Das poucas certezas que temos, a morte é a mais fundamentada. Todos nós vivemos esperando o dia em que nossas vidas cheguem ao fim. Por conta do sentimento torpe derivado dessa constatação, muitos tentam se reconfortar com ilusões vãs e esperanças vazias. A religião, as drogas, as ideologias; parece que tudo em que acreditamos serve para apenas nos reconfortar e nos fazer esquecer da verdade universal: A Morte. Manuel Bandeira foi um exemplo vivo de nossa convivência diária com a morte. Quando muito jovem, descobriu-se com tuberculose, após ter perdido seus pais. Mudou-se então, de Recife para o Rio de Janeiro, onde, com medo da morte, viveu enclausurado em ruelas e becos da Lapa. Inclusive, foi por conta de suas moradas que escreveu os poemas do beco. Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?  O que eu vejo é o beco. Sua relação íntima com a morte, contudo, fica evidente com uma análise cronológica de sua obra. Manuel Bandeira certamente consolidou sua imp

A função empática e o determinismo em “Praça Paris”

“Sabe, doutora, ontem eu tive um sonho com você. Sonhei que eu estava aí, e você aqui, no meu lugar. Eu me senti muito bem sendo uma branquinha como você, rica e inteligente. Mas você não gostaria de estar em meu lugar. Não é mesmo, doutora?” “Praça Paris” é um desses filmes nacionais brilhantes que surgem de vez em quando nos cinemas brasileiros. Dando continuação aos excepcionais filmes do ano passado, como “Bingo” e “Entre Irmãs”, Lúcia Murat (Quase dois irmãos, Brava gente brasileira) dirigiu um filme digno dos mais sinceros elogios, apesar de ter certos defeitos, como um ritmo de lentidão constante, que prejudica o clímax do filme, e algumas cenas mal-exploradas, chegando a ser por vezes confusa. Apesar disso, o roteiro, que conta com a contribuição de Raphael Montes, entrega uma percepção da realidade brasileira contada por meio de dois olhares bastante diferenciados: a de uma estrangeira, Camila (Joana de Verona), e a de uma moradora de comunidade, Glória (Grace Passô); e apr

O que faz uma história se tornar relevante ou infame?

Todos devem concordar comigo quando afirmo que poucas coisas são tão divertidas quanto uma boa história quando contada em uma roda de amigos. Particularmente, possuo verdadeiro fascínio pela arte de contar fatos extraordinários ocorridos em uma vida tão ordinária. A famosa (ou enfadonha) figura de "Quem conta um conto aumenta um ponto" é a melhor quando se tenta expressar com gestos pitorescos e expressões exageradas as situações cômicas que rompem com a monotonia do cotidiano.  Ora, e quem melhor para entender minhas palavras que o próprio brasileiro; criado nas crônicas e nos contos que tomaram conta de nossa cultura literária? Desde Machado de Assis, escrevendo um diálogo entre burros enquanto puxam bondes e sobre intelectuais da Rua do Ouvidor que descobrem o golpe militar de 1889 por meio de cocheiros melhores informados, a cultura de anedotas tupiniquins foi surgindo. Então, com Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Stanislaw Ponte Preta, Fernando Veríssimo e outr

O sol na cabeça e a literatura marginal

“‘Ninguém nasce borboleta’, pensou Bruno. Depois disse baixinho: ‘A borboleta é um presente do tempo’.” Em 2018, Geovani Martins entregou à literatura brasileira um imenso presente. Mais do que um excelente livro, com contos extremamente bem-trabalhados e reflexos da cidade do Rio de Janeiro, é uma obra que resgata diversos elementos característicos dos grandes escritores, enquanto dá voz a uma sociedade marginalizada. “O Sol Na Cabeça” tem tudo para ser considerado um expoente na literatura contemporânea. Geovani Martins, autor de "O Sol na Cabeça". Não é difícil entender a importância de um Geovani Martins nos dias de hoje, tanto no campo literário quanto no crítico e político. O que acontece em seu livro é a retomada de conceitos levantados por inúmeras escolas literárias, mas adaptando-os à realidade atual. Em uma rápida análise da literatura nacional, pode-se destacar uma eterna busca pela identidade nacional. Elemento central no romantismo, onde Escritores