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Fake News Históricas

Vivemos em uma ano de disputa eleitoral. Após as crises políticas e econômicas que se deram no cenário social brasileiro, candidatos de integridade questionáveis já se deleitam com seus recursos de propaganda para difundir suas "ideias" para o público eleitor, que cada vez mais se divide por conta de divergências ideológicas. Nesse contexto, surge um novo elemento capaz de alterar todo o resultado desse período: as chamadas "Fake News", boatos em forma de notícias tendenciosas com o intuito de desvirtuar o público eleitoral.
Apesar da discussão ampla ao redor do assunto, a disseminação de notícias falsas não é uma novidade no campo político. A diferença dessa prática no passado e atualmente se encontra nas redes sociais, principais responsáveis do fluxo de informações. Dessa forma, grupos políticos expandem suas ideologias pautando-se em boatos, rumores e invenções.
Ao voltarmos um pouco no tempo, na própria história brasileira, podemos ver esse tipo de prática sendo utilizada em larga escala. Durante o Governo Vargas, por exemplo, o Plano Cohen foi a alavanca para a implementação do Estado Novo. Após a Intentona Comunista, em 1935, Vargas utilizou como propaganda o combate à "ameaça comunista", que assustava classes médias e altas detentores de posses e poder aquisitivo. Então, criou a ideia do Plano Cohen, que seria uma nova Intentona, para poder mobilizar o exército e decretar estado de sítio, delegando poderes a mais ao executivo.
O irônico seria que, em 1954, Vargas encontraria uma crise por conta de uma outra "Fake News". No caso, em agosto desse anos, Gregório Fortunato, chefe da Segurança do presidente eleito, teria planejado o assassinato de Carlos Lacerda, um grande jornalista de oposição ao governo varguista. Entretanto, o plano falhou, levando à morte do Major Vaz, que acompanhava Lacerda à paisana, e a um questionável ferimento no pé do alvo. Até hoje é discutido se o tiro responsável tanto pela morte do major tanto pelo ferimento do Lacerda não teria saído da própria arma do jornalista, ao analisar-se o calibre das armas envolvidas no atentado. A questão é que, por conta da mobilização midiática de Lacerda, e por conta das ações dos militares, uma grave crise se instaurou no país, cujo fim se deu no assassinato de Vargas.

Getúlio Vargas decretando, pelo rádio, a implementação do Estado Novo, em 1937.

Carlos Lacerda com o pé ferido após o atentado no Catete, em 1954.
  No entanto, não apenas Vargas usou e foi prejudicado pelas "Fake News". Se analisarmos toda a história cultural e a busca pela identidade nacional em nosso país, podemos encontrar outras perpetuações de notícias falsas. No 2º Reinado, por exemplo, Dom Pedro II contratou artistas para representarem o Império com pomposidade e glória, com a intenção de dignificar o Regime. Esse dado é claro ao observarmos o quadro "O Grito do Ipiranga", de Pedro Américo, em que a proclamação da independência é vista com olhos românticos, ao contrário do que realmente ocorreu, já que o Imperador voltava com uma comissão humilde de Santos, onde se encontrava com a Marquesa de Santos, sua amante.


Assim como foi feito no Império, a Velha República também produziu mitos para concretizar a nova forma de governo. O exemplo mais evidente desse fato é a criação da imagem do Herói Nacional Tiradentes, morto pela vilania do Antigo Regime por lutar pela liberdade. Ao menos, era essa crença que os republicanos almejavam criar ao ilustrar Tiradentes esquartejado em forma de cruz, imitando a figura de Cristo.


O interessante de se notar é que em ambos os exemplos citados, os quadros pertencem à mesma autoria. Pedro Américo, ao invés de se apoiar em uma "Fake News" para fortalecer uma ideologia, aproveitou do momento para criar arte. Com o pressuposto enunciado, verifica-se a dicotomia da falsidade midiática. Se por um lado os boatos prejudicam a organização democrática, ela parece servir amplamente para a criação de arte e cultura.
Logo, o debate de Fake News é levado a um patamar ainda maior. Afinal, as eleições deveriam realmente ser questionadas com a difusão desenfreada de rumores e boatos. No entanto, até que ponto estaríamos sufocando a liberdade de expressão com isso? Por mais estranho que isso pareça, eliminar mentiras aparenta ser desafiador para a humanidade frágil dos eleitores brasileiros. Mas o que seria mais importante: a integridade democrática ou a perseverança de um elemento característico da humanidade?

Texto de Lucas Barreto Teixeira 

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