As
manhãs nascem quentes na Bahia. A noite, com seu véu estendido, dona de seus
filhos, é abruptamente expulsa pela claridade radiante.
Apesar
da origem carioca, ainda sim senti o calor tropical e afrodisíaco tomando suas
proporções enquanto penetrava na privacidade do meu leito. Era uma sexta-feira,
meu penúltimo dia em Porto Seguro, e estava abarrotado de trabalho. As férias
estavam sendo invadidas pelas minhas obrigações e amores literários, mas podia
tirar aquela manhã para descansar.
Na
mochila, guardei uma canga, um livro e a esperança de um bom dia. Saindo do
hotel, logo vi a contida multidão de turistas se dirigindo para a praia.
Driblei a massa de corpos, ganhei a areia e caminhei pela costa, molhando
minhas pernas nas águas macias de Iemanjá.
Sabia,
de outras idas àquela praia nos dias anteriores, que poderia caminhar até uma
laguna, onde água doce e salgada se encontravam, conferindo àquela parte em
especial uma temperatura agradável aos banhistas ali presentes. Conforme ia
caminhando, ambulantes já vendiam seus artigos artesanais, pássaros gorjeavam
por onde pairavam e o ar soprava deliciosamente sobre as dunas de areia da
praia. Crianças corriam das ondas, casais aproveitavam o descanso da rotina e
alguns jovens brincavam de futebol, vôlei e frescobol.
Nada
daquilo era estranho a mim. No entanto, diferente das praias cariocas, aquela
transmitia uma sensação quente de bem-estar e tranquilidade.
Quando,
por fim, alcancei a laguna, cruzei o córrego que, devido à mare baixa, ainda
cobria apenas até a altura da panturrilha.
Feita
a travessia, percorri o território desolado até o final da praia. Quando
cheguei, por fim, até a extremidade da costa, resolvi voltar, devido ao
horário. Ao dar meia-volta, um peixe se debatia, abandonado pelas tortuosas
ondas. Deixei a mochila de lado. Segurei o abandonado pelas escamas, sentindo
sua dor, enquanto caminhava pelas águas, até alcançar altura suficiente.
Retornei o peixe à água, que respondeu debatendo-se em direção ao oceano, e
sumiu.
Depois
de almoçar e retornar ao hotel, já no quarto, resolvi abrir o computador. A
tela branca, vazia, causava-me tensão. Principiei a escrever palavras soltas,
desconexas. Apaguei tudo. O que faz um escritor sem motivos para escrever?
Agarrei
minha mochila e, de lá, puxei o livro. Era um de Luiz Alfredo Garcia-Roza. A história
desse autor era interessante. Um professor que resolve escrever romances
policiais. Seus livros eram bons, narravam a história do inspetor Spinoza, um
homem fechado, frio, mas com inteligência e criatividade implacáveis. O cenário
da Zona Sul do Rio de Janeiro me remetia de volta a casa.
Abandonei
a ideia de escrever. Passei a ler o livro de Garcia. “Uma Janela Em Copacabana”.
Estava excelente.
Passei
da leitura para o celular. Notícias falavam sobre uma superlua vermelha,
visível em todo litoral. Seria algo interessante de se ver. Mas o ofício me
chamava. De outro lado, entretanto, a natureza paradisíaca da Bahia parecia
sugar minhas vontades, escravizando-me na função única de glorificar suas
belezas, seu mar, seu céu.
A
noite, em pouco tempo, já iria tomar o lugar do dia, aprazível e calmo.
A
tela do computador continuava branca, vazia, sem esperanças.
E
a noite já se mostrava como uma folha para novas aspirações.
Optei
pela opção frágil, carente e submissa, revelando minhas fraquezas. Saí do hotel
apenas com a canga e o livro em mãos, culpado pela preguiça. Esperava apenas
que a noite se revelasse como um presente brando aos meus olhos jovens.
Encontrei,
em um lado afastado da praia, um tapete de areia. A maré alta já consumira a
maior parte da passagem. Estendi a canga e me pus a ler, sem compromisso com as
horas. Entretanto, novamente interrompi a leitura para concentrar minha
vitalidade no celular.
Pouco
a pouco, a luz do sol foi cedendo à insistência da vermelhidão do fim da tarde,
e perdia o espetáculo por conta do maldito aparelho. As luzes se arquitetavam
em um circo de nuvens, astros e mar, apenas a um espectador desinteressado e
com a alma morta.
Então,
as nuvens se dissiparam, revelando o grande número da noite. A lua, em seu
maior esplendor, trazia consigo uma capa escarlate, sangrando ao pé de Iemanjá.
Rapidamente
armei a câmera e saquei uma foto, ignorando a impossibilidade de uma boa fotografia.
Ao ver o resultado, uma frustração sem tamanha sobrepujou o meu peito. E, sem
qualquer aviso, o visor desligou, sem energia, sem me dar uma última chance de
guardar o espetáculo.
Levantei-me
ranzinza, desinteressado. Peguei meus pertences e me pus a andar pela costa. Iria
direto para o hotel, trabalharia o equivalente daquele dia e no dia seguinte
faria as malas, com um desgosto profundo daquela terra. Contudo, lembrei-me do
livro, que esquecido repousava no mesmo canto onde lhe abandonara.
Correndo,
as areias saltitavam, confusas pelo repentino estremecimento. O oceano,
passivo, continuava observando meus movimentos, preparando a última surpresa da
noite.
Cheguei
ao local aonde saíra frustrado, e ali encontrei o livro, tão confuso e
abandonado quanto o peixe daquela manhã. Refletindo pela repetição improvável,
tornei a olhar para o céu.
A
lua agora estava gigantesca. Os astros todos pareceram se reunir para
presenciar aquele momento único. Os planetas ao redor, juntos com as demais
estrelas e corpos celestes, absorviam todos os detalhes do evento místico.
Maravilhado,
permaneci, estático, trêmulo, incapaz de reagir à coisa alguma.
E
ali, eu, pasmo, conheci o significado de magnânimo, estendendo seu significado
pelo horizonte infinitos dos mares, astros e além.
Texto
de Lucas Barreto Teixeira
Porto
Seguro – BA, Dia 27 de julho de 2018
Uallll
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