21 de dezembro
Hoje conseguimos fechar o estoque da loja. Chefe juntou eu, o estagiário e Douglão. Queria dar bônus de Natal, mas só se trabalhar no feriado. O estagiário ficou logo tremendo. Falou que não podia trabalhar porque tem família católica. Acho que amanhã já ele vai ser substituído. Tem desempregado a rodo aí fora. Só anunciar emprego que já vem nego até da baixada para vender presente para criança de Zona Sul.
O segredo do negócio é nunca falar não, tá ligado? Eu e Douglão sabemos bem disso, então aceitamos. Sei que Douglão tem família, por isso ele saiu meio bolado da loja. Amanhã vou tentar bater um papo com ele. Ver se dá para o chefe desenrolar uma folguinha pelo menos no dia 24. Eu posso até cobrir o turno dele. Não me importo muito.
No caminho pra cá vi aquela novinha de novo no ponto. Dessa vez fiquei esperando para ver qual busão ela pega. O sol fica forte nesse fim de tarde abafado e laranja, e o uniforme me sufoca um pouco no pescoço. Mas ainda assim consegui ficar tempo o suficiente para apreciar aquele corpão mulato e suado.
A aliança ainda estava em seu dedo. Seria pedir demais que um dia ela aparecesse sem aquilo?
Um ônibus para Taquara parou. Ela subiu, deixando um vazio ali. Peguei meu nokiazinho para escutar um pagodinho. Não tem nada mais gostoso que escutar pagode no trajeto de volta do trabalho.
22 de dezembro
Quando cheguei hoje na loja, o chefe já esperava com um novo estoque. Como suspeitava, o estagiário tinha sido substituído por outro. Ele pareceu ser gente boa. Veio lá de São Gonçalo, um pai de família, trabalhador e bastante engraçado. Acho que seu nome é Mathias. Ou Matheus. Não entendi muito bem porque ele tem esse problema de língua presa, o que faz dele ainda mais engraçado.
Arrumamos os brinquedos nas prateleiras e esperamos dar as horas para abrir. Fiquei com Mathias e Douglão fumando cigarro nos fundos. Douglão estava com essa cara feia que ficam os homens quando se dão por perdido na vida. E ele de fato estava. A patroa comeu o couro do homem por não ter tido colhão de ir contra o chefe. Coitado do Douglão. Tem uma mulher que nunca vai entendê-lo.
Hoje o movimento foi mais fraco que ontem, mas ainda assim conseguimos esvaziar a maior parte do estoque. No final do expediente fui falar com o chefe. A sala dele é grande e confortável, com armários cheios de papeladas e recibos. Ele me recebeu com um sorriso bem simpático no rosto, ofereceu um cigarro e tudo. Conversei um pouco sobre Douglão com ele e perguntei se poderia tapar o buraco dele em alguma parte do feriado.
O chefe pensou um pouco e disse que iria: “ponderar sobre o caso”. Acho que ele vai aliviar a barra para Douglão. O cara merece.
Quando fui pegar o busão, a novinha de ontem não estava lá. Isso me deixou um pouco triste.
23 de dezembro
Quando cheguei no trabalho, Douglão saiu chorando do escritório do chefe. Quando ele me viu, veio em minha direção, com um olhar que mataria um animal. Deu um berro e esmurrou minha cara com um soco que só vi em filme de gringo na tevê. Mathias conseguiu puxar Douglão para trás enquanto ele gritava: “Imbecil! Babaca!”, além de outras baixarias. Uns seguranças do shopping viram a confusão e levaram o Douglão. Não estava entendendo nada, até que o chefe veio me ver. Ele tinha demitido Douglão. Começou com uma série de desculpinhas como: “corte de gastos”, “tempos de crise” e “dificuldade econômica”.
Entendi então que eu fui o responsável pela demissão de Douglão. Abaixei os olhos, concordando com o chefe. Pior que Douglão era um cara legal. Fui lavar o rosto, a mando do chefe, para tirar a mancha de sangue que escorria do meu nariz. Quando sai do banheiro, já tinha um cara no lugar de Douglão.
No meio da tarde, o chefe me chamou no escritório. Ele viu que eu estava com um corte no lábio e decidiu que eu não poderia trabalhar assim. Achou de bom grado que eu fosse mais cedo para casa. Ele me pediu para não me preocupar, já que o fluxo estava fraco. Quando saí da loja, percebi o imenso fluxo que queimava o estoque da loja. Sinceramente, não consegui entender por que o chefe teria mentido.
No caminho para o ponto de ônibus, encontrei a novinha. Ela estava chorando em um banco na rua. E estava sem aliança. Dei um grande sorriso ao me deparar com essa cena. Fui me aproximando com calma e perguntei por que ela chorava tanto. Acontece que ela tinha terminado um relacionamento e, por ter faltado ontem, perdeu também o emprego. Sugeri que fôssemos beber cerveja.
Agora, enquanto escrevo, ela dorme na minha cama, logo atrás de mim. Gostaria de tentar descrever essa cena. Seu corpo mulato sobe e desce a cada segundo, acompanhando sua respiração que deixa um doce frescor no ar...
O que estou fazendo? Diabos, não sou poeta!
24 de dezembro
Então é natal. Ao menos, será daqui a alguns minutos. Por isso, vou me apressar para escrever sobre hoje.
Quando cheguei na loja hoje, não me deixaram entrar lá. O chefe ficou me encarando como se nem me conhecesse. E quando ameacei de entrar à força, chamaram seguranças.
Fiquei abalado. Não sabia bem o que fazer. Ou o que sentir. Ainda não sei, na verdade. É aterrorizante ficar sem trabalho. Ele meio que dá um propósito, saca? Mas sempre que fico desempregado me sinto livre, sem saber ao certo como será o dia de amanhã. E isso é... não sei se existe uma palavra certa para isso. Sabe quando você sente essa luz, dentro do seu peito que, ao mesmo tempo que tira seu ar de tanto sufoco, te dá horizonte de novos caminhos?
Estava feliz, na verdade. Então liguei para Lívia, minha nova mina. Perguntei se queria passar o natal comigo. Ela perguntou para onde iríamos. Eu disse para ela confiar em mim.
Oh! Já são quase meia-noite. Aqui na casa do Douglão o tempo passa rápido. Lívia e a esposa de Douglão já me pediram para acompanhar a reza da ceia.
Não sei o que me agrada mais em Lívia. Se é seu sorriso, seus olhos, seus cabelos...
O vacilão que deixou ela é um otário. Deve estar até agora se descabelando. Melhor para mim.
Engraçado, sinto dificuldade em largar a caneta para ir ceiar. Acho que escrever me faz melhor do que esses trabalhos como lojistas.
Talvez eu possa virar poeta...
Depois do Natal escrevo um romance.
Palavra de poeta!
Hoje conseguimos fechar o estoque da loja. Chefe juntou eu, o estagiário e Douglão. Queria dar bônus de Natal, mas só se trabalhar no feriado. O estagiário ficou logo tremendo. Falou que não podia trabalhar porque tem família católica. Acho que amanhã já ele vai ser substituído. Tem desempregado a rodo aí fora. Só anunciar emprego que já vem nego até da baixada para vender presente para criança de Zona Sul.
O segredo do negócio é nunca falar não, tá ligado? Eu e Douglão sabemos bem disso, então aceitamos. Sei que Douglão tem família, por isso ele saiu meio bolado da loja. Amanhã vou tentar bater um papo com ele. Ver se dá para o chefe desenrolar uma folguinha pelo menos no dia 24. Eu posso até cobrir o turno dele. Não me importo muito.
No caminho pra cá vi aquela novinha de novo no ponto. Dessa vez fiquei esperando para ver qual busão ela pega. O sol fica forte nesse fim de tarde abafado e laranja, e o uniforme me sufoca um pouco no pescoço. Mas ainda assim consegui ficar tempo o suficiente para apreciar aquele corpão mulato e suado.
A aliança ainda estava em seu dedo. Seria pedir demais que um dia ela aparecesse sem aquilo?
Um ônibus para Taquara parou. Ela subiu, deixando um vazio ali. Peguei meu nokiazinho para escutar um pagodinho. Não tem nada mais gostoso que escutar pagode no trajeto de volta do trabalho.
22 de dezembro
Quando cheguei hoje na loja, o chefe já esperava com um novo estoque. Como suspeitava, o estagiário tinha sido substituído por outro. Ele pareceu ser gente boa. Veio lá de São Gonçalo, um pai de família, trabalhador e bastante engraçado. Acho que seu nome é Mathias. Ou Matheus. Não entendi muito bem porque ele tem esse problema de língua presa, o que faz dele ainda mais engraçado.
Arrumamos os brinquedos nas prateleiras e esperamos dar as horas para abrir. Fiquei com Mathias e Douglão fumando cigarro nos fundos. Douglão estava com essa cara feia que ficam os homens quando se dão por perdido na vida. E ele de fato estava. A patroa comeu o couro do homem por não ter tido colhão de ir contra o chefe. Coitado do Douglão. Tem uma mulher que nunca vai entendê-lo.
Hoje o movimento foi mais fraco que ontem, mas ainda assim conseguimos esvaziar a maior parte do estoque. No final do expediente fui falar com o chefe. A sala dele é grande e confortável, com armários cheios de papeladas e recibos. Ele me recebeu com um sorriso bem simpático no rosto, ofereceu um cigarro e tudo. Conversei um pouco sobre Douglão com ele e perguntei se poderia tapar o buraco dele em alguma parte do feriado.
O chefe pensou um pouco e disse que iria: “ponderar sobre o caso”. Acho que ele vai aliviar a barra para Douglão. O cara merece.
Quando fui pegar o busão, a novinha de ontem não estava lá. Isso me deixou um pouco triste.
23 de dezembro
Quando cheguei no trabalho, Douglão saiu chorando do escritório do chefe. Quando ele me viu, veio em minha direção, com um olhar que mataria um animal. Deu um berro e esmurrou minha cara com um soco que só vi em filme de gringo na tevê. Mathias conseguiu puxar Douglão para trás enquanto ele gritava: “Imbecil! Babaca!”, além de outras baixarias. Uns seguranças do shopping viram a confusão e levaram o Douglão. Não estava entendendo nada, até que o chefe veio me ver. Ele tinha demitido Douglão. Começou com uma série de desculpinhas como: “corte de gastos”, “tempos de crise” e “dificuldade econômica”.
Entendi então que eu fui o responsável pela demissão de Douglão. Abaixei os olhos, concordando com o chefe. Pior que Douglão era um cara legal. Fui lavar o rosto, a mando do chefe, para tirar a mancha de sangue que escorria do meu nariz. Quando sai do banheiro, já tinha um cara no lugar de Douglão.
No meio da tarde, o chefe me chamou no escritório. Ele viu que eu estava com um corte no lábio e decidiu que eu não poderia trabalhar assim. Achou de bom grado que eu fosse mais cedo para casa. Ele me pediu para não me preocupar, já que o fluxo estava fraco. Quando saí da loja, percebi o imenso fluxo que queimava o estoque da loja. Sinceramente, não consegui entender por que o chefe teria mentido.
No caminho para o ponto de ônibus, encontrei a novinha. Ela estava chorando em um banco na rua. E estava sem aliança. Dei um grande sorriso ao me deparar com essa cena. Fui me aproximando com calma e perguntei por que ela chorava tanto. Acontece que ela tinha terminado um relacionamento e, por ter faltado ontem, perdeu também o emprego. Sugeri que fôssemos beber cerveja.
Agora, enquanto escrevo, ela dorme na minha cama, logo atrás de mim. Gostaria de tentar descrever essa cena. Seu corpo mulato sobe e desce a cada segundo, acompanhando sua respiração que deixa um doce frescor no ar...
O que estou fazendo? Diabos, não sou poeta!
24 de dezembro
Então é natal. Ao menos, será daqui a alguns minutos. Por isso, vou me apressar para escrever sobre hoje.
Quando cheguei na loja hoje, não me deixaram entrar lá. O chefe ficou me encarando como se nem me conhecesse. E quando ameacei de entrar à força, chamaram seguranças.
Fiquei abalado. Não sabia bem o que fazer. Ou o que sentir. Ainda não sei, na verdade. É aterrorizante ficar sem trabalho. Ele meio que dá um propósito, saca? Mas sempre que fico desempregado me sinto livre, sem saber ao certo como será o dia de amanhã. E isso é... não sei se existe uma palavra certa para isso. Sabe quando você sente essa luz, dentro do seu peito que, ao mesmo tempo que tira seu ar de tanto sufoco, te dá horizonte de novos caminhos?
Estava feliz, na verdade. Então liguei para Lívia, minha nova mina. Perguntei se queria passar o natal comigo. Ela perguntou para onde iríamos. Eu disse para ela confiar em mim.
Oh! Já são quase meia-noite. Aqui na casa do Douglão o tempo passa rápido. Lívia e a esposa de Douglão já me pediram para acompanhar a reza da ceia.
Não sei o que me agrada mais em Lívia. Se é seu sorriso, seus olhos, seus cabelos...
O vacilão que deixou ela é um otário. Deve estar até agora se descabelando. Melhor para mim.
Engraçado, sinto dificuldade em largar a caneta para ir ceiar. Acho que escrever me faz melhor do que esses trabalhos como lojistas.
Talvez eu possa virar poeta...
Depois do Natal escrevo um romance.
Palavra de poeta!
Texto de Lucas Barreto Teixeira
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