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"Vingadores: Ultimato" - Análise Crítica

Seria impossível sair da sala de cinema de "Vingadores: Ultimato" sem tecer comentários acerca da obra. Sim, são mais de dez anos condensados em uma obra única, rica, complexa e grandiosa. Alçando o patamar das grandes produções cinematográficas, Ultimato não apenas é um sucesso de críticas ou bilheteria, conseguindo perpetuar um ideal, uma percepção artística concisa e avassaladora. É a história do cinema que se expande em um novo capítulo, em uma epopeia, no sublime.



Atenção: Spoilers a seguir

Existe toda uma experiência por trás da longa. O público aguarda sem paciência pelo início da projeção. Alguns comentam suas apostas, suas expectativas e seus anseios. O medo paira no ar. Medo real, tangível. Thanos é uma ameaça real. As pessoas temem pela morte de seus heróis. Há apenas um ano atrás fomos golpeados ao ver metade do universo ser extinguida por um reles estalar de dedos. A última linha de defesa da Terra foi derrotada, e não há alma viva que tenha superado tamanho choque.
Quando a ficção se tornou tão tangível? O primeiro título estrelando Robert Downey Jr. como o Homem de Ferro parece estar tão distante agora. Acompanhamos sua jornada de perto. Testemunhamos seu declínio. Suas derrotas. Suas incertezas. Ainda assim, a vitória sempre aparecia no final. Da mesma forma, vimos o nascimento de Capitão América, Thor, e, então, os Vingadores, unidos pela primeira vez.
Uma sociedade não é capaz de se organizar sem seus ídolos. E são os heróis que fornecem a segurança necessária para edificar suas sustentações. Em tempos de desesperança, quando a tragédia parece caracterizar a realidade, o lúdico desses personagens dá a base necessária para a ordem se perpetuar. Se já precisamos de Aquiles, Hércules ou Odisseu para termos esperança, agora precisamos dos Vingadores.

Consequências
O homem sempre foi sujeito ao erro. Mesmo Hércules, filho de Zeus, foi enganado, e massacrou a própria família. Como conviver com os próprios fracassos? Como aceitar-se perante todo seu potencial desperdiçado?
Thor. Filho de Odin, Rei de Asgard. Após ter perdido sua família, seus amigos e seu povo, a ele nada restou senão a vingança. No entanto, seu algoz não é derrotado. O deus falha em sua missão. Após tantos anos dependendo da aprovação de uma entidade superior, qualificando-o como digno ou não de valor, o que poderia fazer?
Cada herói lida com seu fracasso de forma diferente. Tony Stark simplesmente cede ao destino, percebendo que nada mais havia a ser feito. Ele finalmente decide se aposentar, e se refugia no amor há muito cobiçado de Popps e de sua filha. Ele reconhece suas limitações. Afinal, Mesmo não sendo um homem ordinário, ele passa pelas mesmas angústias de um por conta de seus sacrifícios. Não há dúvidas que sua recompensa fora merecida. Contudo, o fracasso é algo difícil de ser aceito. Ao terem reconhecido sua impotência quanto ao destino turvo e maligno, da crueldade da insignificância cósmica, deuses se veem como humanos. Os códigos morais já não fazem sentido, já que a morte despida de critério leva os virtuosos e despreza os injustos. O que é a esperança, na desolação desse cenário, se não um simbolismo destruído junto com os antigos deuses?

Os Eternos Valores
Setenta anos se passaram desde seu sacrifício. Um garoto raquítico do Brooklyn, cujo sonho era poder proteger sua país, tornara-se um soldado crucial à Grande Guerra que se desenrolava na Europa. Sua vida em troca de milhões. Parecia valer a pena.
Steve Rogers foi criado com uma crença. Perseverança. Construído a partir de um ideal patriótico, viu o colapso da sociedade norte-americana de perto. Já não existia o mesmo país de guerreiros nobres, valorosos e louváveis. Ora, é bem verdade que talvez ele nunca tenha existido. Entretanto, foram esses ideais que o levaram a acreditar em algo superior à qualquer ideologia nacional. Aprendeu a valorizar a individualidade. A vida, afinal de contas, é a forma pura da perseverança.
O cenário é vazio. As cores cinza. A trilha falha, incompleta. A técnica cinematográfica compõe o cenário em que os heróis caídos se veem. Ainda assim, existe a vida. Enquanto houver ar em seus pulmões, e enquanto houver uma vida que ele possa proteger, o capitão estará lutando. Sim, Rogers é um eterno soldado. E a guerra que ele enfrenta é constante. A luta pela vida.
É fácil ser levado a um niilismo intransigente quando não há mais nada a se perder. Contudo, enquanto houver um motivo para viver, existe esperança.

A Ameaça
O perigo de se desejar algo é alcançar o que se é desejado.
Thanos é um homem louco. Após passar por uma experiência traumática, convivendo em um planeta perdido e desolado, definiu um grande objetivo. Busca o equilíbrio. Para o Titã, existe algo de belo nisso. O bem e o mal, ricos e pobres, vida e morte. Deve existir uma mediania que defina o universo. Não existe nenhuma linearidade no comportamento individual. E o balanço perfeito das virtudes e dos vícios deveria consertar as fraquezas dos indivíduos.
Mas e o depois? E após ter chegado ao fim de sua jornada?
Como Atlas, passou a carregar o peso do mundo em suas costas. Havia sacrificado tudo de si. E então? Não lhe restavam forças a mais nem para colher os frutos de seu trabalho. Assim, o seu fim não poderia ser outro que não a morte. A vingança de Thor não passa de um ato de misericórdia a um velho desiludido.
Decerto, é injusto falar apenas do fim de Thanos. Ao ser reintroduzido na última parte da longa, o velho Atlas dá lugar a um arrogante Aquiles, tão cego pelo destino desenhado a ele que é incapaz de julgar com prudência o desenrolar dos fatos. Apesar de ter perdido o protagonismo do título anterior, o vilão consegue se desenvolver ainda mais com o fim de sua jornada. Afinal, é a jornada que define o homem. E, sem a jornada, Thanos seria incapaz de vencer os heróis, aptos a finalizar a deles próprios.


O Sacrifício
A batalha final de Ultimato é indescritível. As cores se saturaram ao longo da narrativa. Os heróis parecem estar prestes a falhar novamente, enquanto o exército de Thanos desce ao solo para subjugar toda a vida ali presente. Steve Rogers, após ter sido levado ao chão, levanta-se. Ele acabara de se provar digno perante os deuses. Um homem contra um exército. A música sobe. De repente, diversos portais são abertos, e todas as formas de vida se reúnem para o embate final. A vida haveria de perseverar. Aquele Thanos nunca seria capaz de entender o que estava se passando. Ele não fora obrigado a sacrificar o único sentimento verdadeiro por aquele poder. O homem que havia feito aquilo estava morto, cansado demais por ter de carregar tamanho fardo. Os heróis, por outro lado, não. Eles já haviam perdido o suficiente para entender. E agora haveriam de lutar para preservar o que conquistaram. A esperança surgia enquanto os heróis se levantavam.
Entretanto, um último sacrifício havia de ser feito.
Stark, no último movimento possível, empunha as jóias do infinito, e descarrega todo o poder para derrotar a ameaça. Aquele, sim, era seu destino. Do arrogante playboy, para o mártir humilde. Agora, ele poderia, por fim, descansar.
Se, anteriormente, Natasha havia se sacrificado para fazer o Gavião Arqueiro entender que ele deveria preservar sua vida, apesar dos erros e desvios que cometera, a morte de Stark faz Rogers entender seu papel. Apesar de ter salvo tantas pessoas, sacrificou a própria vida, tornando-se um homem redundante. Seu sacrifício, dessa forma, deveria ser compensado. Em seu último ato de coragem e perseverança, opta por viver outra vida, salvando-a, junto ao seu grande amor.

O Sublime
"Vingadores: Ultimato" não é somente um filme. É uma experiência artística sem precedentes, o simbolismo clássico para uma civilização decadente e um farol de novas esperanças. A ficção difere da realidade por uma questão de crença. Nossos heróis devem ser falhos, tortos e ordinários, porque somos seus reflexos. Todos devem ter a esperança de se tornar algo maior do que aquilo a qual estão presos.
Estamos testemunhando a produção de um mito. Em busca do sublime cinematográfico, encontramos o embate extraordinário de criaturas místicas movidas por sentimentos comuns como grande motor dessa nova arte. Após tanto tempo se afastando do belo, parece que a cultura contemporânea gradativamente volta a aceitar tal conceito, por meio de um classicismo reinventado e reestruturado. Estamos elegendo os cânones da Nova Era. E acabamos de assistir à criação de uma nova obra helenística.

Texto de Lucas Barreto Teixeira 


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