A
CRIAÇÃO ENQUANTO IDEAL REPRESENTATIVO DA LINGUAGEM
PRIMEIRA LEITURA ESTÉTICA DE
POKÉMON

No
universo fictício vasto de Pokémon, criação de Satoshi Tajira, tangencia a
problemática filosófica pela representação de Arceus, uma lendária criatura que
teria originado toda a realidade. Do vasto e opressor vazio, nasce Arceus e,
com ele, tudo se forma. Antes, traz à vida Dialga e Palkia que,
respectivamente, criam tempo e espaço. A partir do ponto inicial da existência,
surge uma corrente de eventos que origina a noção temporal e, por entropia,
pela expansão da imensa massa de energia da criação, a noção de distância é
inaugurada. Além dos dois guardiões do tempo-espaço, Arceus dá a vida a
Giratina, responsável pela antimatéria. Em termos lógicos, se a preposição A é
verdadeira, não-A é falso. Dessa forma, existir implica no não existir, e o que
é pode ser definido por tudo aquilo que não o é.
A
alegoria, de imediato, revela um olhar cientificista em relação à gênese do
universo. Ainda, quando consideramos que a partir desse evento Arceus delega
vida a outras criaturas com o intuito de proliferar sua criação com razão, o
autor parece ter uma visão teleológica da criação, ou seja, as coisas existem
por visarem um fim. No entanto, a própria concepção da criatura lendária agrega
um valor representativo semântico interessante. Primeiro, investiguemos a
descrição feita pelo próprio autor de seu Deus.
“It is
described in mythology as the Pokémon that shaped the universe with its 1,000
arms. It is told in mythology that this Pokémon was born before the universe
even existed. It is said to have emerged from an egg in a place where there was
nothing, then shaped the world.”
Arceus
teria “moldado o universo com seus 1000 braços”. O que seriam os braços de tal
criatura? Ao longo dos jogos da franquia, conhecemos pequenos Pokémons em
formatos específicos, chamados unown’s, que formam, individualmente, símbolos
semânticos, ou letras. Quando pensamos no alfabeto, reconhecemos símbolos
fonéticos finitos. A partir desses parcos caracteres, formamos um número
exponencial de outros símbolos, as palavras que, quando organizadas em formas
específicas, criam sentenças. De um número finito e parco de signos,
conseguimos representar o universo. Eis a beleza semântica. Eis, também, os mil
braços de Arceus.
O que
entendemos por aquilo que existe não passa de uma representação simbólica da
realidade. A criação, portanto, é a partir da própria representação. Deus não
passa de uma ideia construída a partir de caracteres finitos, e alcançar
qualquer noção de infinito parece remoto para a racionalidade parca que a nos
foi entregue. Os próprios conceitos dimensionais são apenas representações de
nossos sentidos. Logo, é interessante notar como a gênese de cada Pokémon é
vinculada com algum ideal representativo, visto que a ideia deles é originada
pela semântica. Nesse sentido, conhecer a causa de nossa existência é tão
relevante quanto observar as ondas do mar: tudo é mero representativo.
A
CRISE DO IDEALISMO PLATÔNICO
SEGUNDA
LEITURA ESTÉTICA DE POKÉMON
A
elaboração de tratados políticos visa um ideal de sociedade. Muitos foram os
autores que buscaram entender como um Estado deveria funcionar de modo que os
indivíduos pudessem viver de forma mais proveitosa. Nesse sentido, “A República”,
de Platão, foi uma tentativa de vincular ao Estado e aos governantes a virtude,
de modo com que a sociedade pudesse, como um todo, tornar-se virtuosa em si.
Seu tratado, contudo, é recheado de um idealismo ingênuo, talvez, por visar a
teoria sem o teor pragmático dos governos. De acordo, apenas com Hobbes e
Maquiavel veríamos os primeiros tratados políticos realistas, que trabalhassem
com uma visão menos idealista, beirando, certamente, o pessimismo político.
Ora, não
haveria como existir um Estado idealista? Ou a política teria sempre que tanger
os abusos sociais? Nesse sentido, Pokémon, obra fictícia de Satoshi Tajira,
apresenta uma interpretação lúdica da questão. Na geração de Unova, dois
Pokémons lendários se enfrentam em um embate incessante, Reshiram e Zekrom. O
primeiro é a representação pura da verdade, e seu eterno guardião, enquanto que
o outro defende os ideais. Inicialmente, os dois eram apenas um, unindo a
verdade, o pragmatismo, do idealismo. Entretanto, em um confronto de famílias
reais, o lendário Pokémon foi dividido, deixando, também, um terceiro, Kyurem,
uma casca do antigo.
Em uma
análise rápida, sem perder o foco da discussão, quando os três eram um, eles
representavam um platonismo coerente, sendo capaz de juntar a prática com o
idealismo. Ao longo de seu tratado político, é possível observar que Platão
sustentava a ideia da possibilidade de suas ideias, tentando moldar algo
coerente com sua época. No entanto, a cisão do platonismo dividiu a prática, o
possível, do ideal, aquilo que se deseja ser. “Utopia” apresenta essa dupla
implicação, de algo ideal e algo que não pode ser. Ainda assim, é inserido na
narrativa que Kyurem seria capaz de absorver uma de suas partes, para resgatar
o poder antigo dos plantonistas. Entretanto, a forma original nunca pode ser
refeita.
Existe um
equilíbrio tênue de forças entre o idealismo e a prática. Já que ambos não
podem mais se unir, o máximo que pode ser feito é balancear as partes, nunca
deixando uma se sobrepor à outra. Afinal, quando Kyurem absorve uma das partes,
o poder de um se torna imensamente superior, deixando a discussão frágil. Um
Estado com muitos ideais e pouca prática é fadado ao fracasso tanto quanto
aquele que visa a prática mecânica, sem propósitos. Sendo assim, a crise do
idealismo platônico encontra sua solução em sua causa, no balanceamento justo e
regular de idealismo com pragmatismo.
O
SER SINTÉTICO E O AUTÔMATO DE SPINOZA
TERCEIRA
LEITURA ESTÉTICA DE POKÉMON
Vivemos na
era da automatização. Com cada vez mais máquinas substituindo a força braçal do
homem, exercendo trabalhos mecânicos, severas questões sociais se resultam a
partir do processo. Por mais que tudo aponte para o fato de que os humanos não
correm o risco de perder trabalhos em campos acadêmicos e de teor intelectual,
certos indícios podem resultar em um futuro pessimista em relação a esse
quesito. Afinal, a sofisticação tecnológica chegou a certo nível onde o homem
já não é mais capaz de derrotar a máquina em jogos de estratégia, como xadrez.
É natural perguntar se algum dia as máquinas possam substituir os homens em
todos os campos, de forma mais ampla possível.

No
primeiro título da franquia de obras reunidas pelo nome de Pokémon,
deparamo-nos com a existência de Mewtwo, criatura criada artificialmente a
partir de resquícios do lendário Pokémon Mew. Pela história do jogo, Mew seria
a criatura responsável por dar vida aos primeiros Pokémons, sendo uma espécie
de divindade deste universo, obedecendo às ordens de Arceus, seu criador. Dessa
forma, Mewtwo é a tentativa do homem de recriar o próprio Deus, tornando-se,
assim, uma espécie de Deus, consequentemente. Eis o grande dilema de tentar-se
criar vida, da mesma forma como Deus teria feito inicialmente. Ao conseguir tal
poder, o homem
poderia ser absoluto.
Mary
Shelley, em “Frankenstein”, entende que tal poder resultaria em uma tragédia,
ao menos para o criador. Uma vez criado, o ser voltar-se-ia contra o criador,
buscando a morte de Deus. Mewtwo não escapa desse fatalismo. Uma vez criado, o
Pokémon é constituído com grandes poderes psíquicos, resultando em uma
consciência vasta e reflexiva. Na longa “Pokémon 2000”, Ash Ketchum e outros
treinadores Pokémons são convidados a uma ilha por Mewtwo, que observa suas
relações com seus companheiros de batalha. Ao entender que as criaturas eram
usadas como ferramentas pelos humanos, Mewtwo estabelece uma justificativa
racional para matar seu Deus.
Entretanto,
todo ser racional tende, naturalmente, para esta conclusão. Matar Deus é
vingar-se de existir. Se Kierkegaard, Camus, Schopenhauer estiverem certos, a
vida é um absurdo trágico. E a razão, cujo propósito último seria ratificar tal
afirmativa, é uma tortura a qualquer ser existencial. Em suma, matar Deus é
vingar-se, e vingar-se de Deus é o fim último da razão.
Textos de Lucas Barreto Teixeira
Comentários
Postar um comentário