Walter Benjamin defendia que a Aura de uma obra de arte é definida pela historicidade e pela autoria envolvida no processo criativo. Não basta uma obra seguir decisões estéticas do autor - afinal, ela deve refletir o momento histórico em que é criada. Não é difícil identificar a autoria nos filmes de Quentin Tarantino: seus exageros, diálogos fluidos, câmeras estratégicas, atuações pitorescas... contudo, ao falar sobre o período de sua obra, encontramos uma curiosa relação entre seus filmes. Mesmo com obras de estilo "western", como Django Livre e Os Oito Odiados, referenciando muito da cultura oriental, como Kill Bill, Tarantino não esconde suas influências da literatura Pulp, seja no vocabulário quanto na própria construção de seus personagens, que muitas vezes aparecem em sentido anacrônico. Agora, o diretor parece ter um objetivo claro em mente: direcionar sua criação para o período que mais influencia suas obras.
É 1969 e Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) acaba de realizar que sua carreira de ator em Hollywood entrara em franca decadência. Antes herói em filmes de Velho Oeste, agora realiza pontas em séries de televisão como bandido, disposto a sempre perder das novas estrelas do cinema que tomam seu lugar. Não fosse pelo seu dublê e grande amigo Cliff Booth (Brad Pitt), atingiria rapidamente um estágio irreversível de alcoolismo crônico e depressão. Ambientada em uma Los Angeles lúdica, retirada da mais profundas memórias do diretor, a trama não apresenta um aprofundamento tão grande, distinguindo-se das construções habituais do diretor envolvendo capítulos ou arcos bem-estruturados. Ao invés disso, Tarantino opta por construir essas duas figuras em desafios pessoais e cotidianos, em uma linguagem metalinguística da indústria, evocando grandes nomes da história de Hollywood apenas para criar as características da cidade - esta sim a maior personagem.
Com longas cenas nas ruas, uma porção considerável de figurantes e figurinos, e uma direção tanto de arte quanto fotografia impressionantes, a cidade vai sendo moldada aos poucos na própria mente do público, criando um vinculo com cada detalhe tirada da imaginação do diretor. Ela respira, e o filme respira com ela. Os personagens são influenciados pelos seus encantos e por suas curvas. Ainda, ao colocar Sharon Tate (Margot Robie) dançando conforme os movimentos das ruas, aproveitando a simpatia das pessoas comuns e orgulhando-se com sua performance ao ver seu filme na tela do cinema, as camadas do cenário se misturam, formando um personagem complexo e que sustenta a narrativa despretensiosa.
A conclusão da longa parece uma liberdade criativa baseada na cena final de "Bastardos Inglórios", com o mesmo valor de catarse tirada no fuzilamento dos nazistas pitorescos e exagerados do diretor. Ainda que falhos, os heróis da longa de certa forma praticam uma justiça histórica ao impedir o assassinato de Sharon Tate pelos lunáticos seguidores de Charles Manson. Após construir tão profundamente sua cidade, Tarantino não poderia deixar com que ela fosse destruída pelo caos e medo.
Dito como o penúltimo filme do diretor, "Once Upon A Time in... Hollywood" não parece um filme típico do diretor, ainda que resgate muitos elementos que tenham estruturado sua carreira até o momento. Apesar da narrativa falha, a construção impecável dos personagens compensam a obra. Em todo caso, não há dúvidas que mais uma vez a Aura da obra de arte é encontrada nas mãos de Tarantino.
Texto de Lucas Barreto Teixeira
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