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Por que Space Force falha enquanto mídia crítica?


Como bom fã de séries de comédia norte-americanas, não pude deixar de ficar animado com o anúncio de Space Force. Trazendo de volta a equipe responsável por The Office, incluindo Steve Carell como protagonista, a série tinha todos os elementos para ser excelente. Uma sátira da cultura militar dos Estados Unidos, a partir dos pensamentos megalomaníacos de seus governantes, em um ambiente onde a ciência precisa prevalecer, em contraste com a cultura de guerra. Ainda assim, ao ver o último episódio, não pude deixar sentir nada além de frustração.


Space Force começa com a promoção do general Mark Naird, que passa de subordinado das forças aéreas para responsável direto pela Space Force, ala responsável pelos avanços militares no espaço, baseada nas ações políticas de Donald Trump. Após um ano, na nova base militar em Colorado, Neird, em conjunto com seu braço direito, o cientista Adrian Mallory, prepara novas operações militares para explorar o espaço, em uma nova corrida espacial.
De início, a série prepara terrenos para suas principais sátiras, sempre em tom humorístico. As forças militares são sempre tratadas como deboche, em especial seus membros de alta patente, condicionados ao pragmatismo da força. A ciência é colocada em escanteio, sendo usada apenas para fins militares, a contragosto dos cientistas. A mediocridade do funcionalismo público é apontada como um desserviço social. E, é claro, o presidente é tratado como um estúpido, agindo irracionalmente a partir de seus meios de comunicação. Tudo, a princípio, apontando para uma clara direção, que se mostrava interessante. No entanto, com a progressão da série, tais premissas vão sendo abandonadas, sendo substituídas por piadas rasas, sem propósito e que, em última análise, se chocam com o mote inicial.
O exemplo mais claro de como a série se perde está presente na relação entre Naird e Mallory. Nos primeiros episódios, a relação entre os personagens se dá a partir entre a razão científica e o pragmatismo militar, com diversas sequências em que a força bruta se sobrepõe os conselhos da equipe de cientistas de Mallory, gerando consequências negativas. Contudo, com o decorrer da série, Naird se prova mais competente e razoável que Mallory, gerando contrastes que vão contra o apresentado anteriormente.
De acordo, tais cenas são inseridas com o propósito de geram empatia com o personagem de Steve Carol. Sendo o protagonista da série, é como se os produtores temessem fazer dele uma figura detestável, assim como fora feito anteriormente com Michael Scott, em The Office. O chefe incompetente, causando diversas cenas de desconforto entre seus funcionários por conta de sua infantilidade, sendo o maior fator de improdutividade dentro do escritório se encaixaria muito melhor aqui. Inclusive, essa parece ter sido a ideia original da série. Novamente, nos primeiros episódios Naird não se encaixa em suas funções, tomando péssimas atitudes que, ao serem elogiadas pelo presidente – aqui um personagem invisível – geram a sátira do sistema militar, definido como uma guerra de egos. Isso até Naird ganhar simpatia do público, fazendo com que suas atitudes sejam justificadas, idealizando um herói militar.
Nesse instante, inclusive, a série passa o antagonismo do próprio Estado para as forças armadas da China, justificando todas as demonstrações de força por parte dos militares. Com um pouco de exagero, é possível dizer que a intenção da série fora mostrar como a estupidez é comum a todos os humanos, mas a execução de tal ideia é péssima. Em diversas cenas, as forças armadas são mostradas como sensatas, conciliadoras e diplomáticas, fazendo com que as forças militares chinesas justifiquem a agressão por parte dos Estados Unidos.
Infelizmente, Space Force falhou enquanto sátira. Buscando criticar, criou circunstâncias fictícias que invalidam sua narrativa, justificando comportamentos racistas e xenófobos de seus personagens. Digo apenas que é uma pena porque Space Force tinha tudo para se transformar em uma sátira tão poderosa quanto seu antecessor espiritual. Haveria ainda muito a ser dito sobre a série, por tratar de tantos personagens e arcos, mas nenhum deles alcança a profundidade que seus temas merecem. A superficialidade da obra acabou por tornar a sátira falha, incompleta e simplesmente boba.


Texto de Lucas Barreto Teixeira

Comentários

  1. This show is hard to describe. The script is tongue in cheek, not just a series of stupid jokes. There are a few laugh out loud moments, witch i can see from the a lot of scenes from PortalulTauTV.net. But mostly its just enjoyable to watch. The camera work and directing are like it's a serious drama.

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