Ingressos de cinema e teatro são caros, preços de livros são exagerados e os de jogos são pitorescos de tão altos. O acesso à arte, no geral, é barrado a classes menos favorecidas, aliado sempre de uma elite econômica que busca maneiras de se manter aristocrata. Isso sempre foi um problema, claro, com diversas tentativas por parte de diferentes agentes sociais de quebrar a barreira do acesso à cultura, rendendo políticas estatais como o vale-cultura, desde 2012, até criações de eventos como a Perifacon, voltados a grupos minoritários que desejam consumir cultura e arte. No entanto, com a extinção de diversos tipos de incentivos nos últimos anos, e com as medidas econômicas desastrosas que se dão no país, cada vez menos da renda familiar pode ser investida em cultura, um direito básico visto como luxo. Mas isso não é novidade para ninguém. A grande questão, contudo, é que com o passar do tempo, mudamos a maneira de entender o valor de uma obra, qualificando-a por meio de um cálculo com base de seu valor e seu tempo de duração. Afinal, se o preço de um ingresso é o mesmo, é melhor ver um filme com duas horas ao invés de algum com apenas uma, fazendo o dinheiro investido render mais. Assim, novelas, livros de contos, jogos e filmes independentes não conseguem chegar no grande público, sendo barrados por produtos de grandes corporações com dinheiro de sobra para inflar seus produtos, criando um ciclo vicioso que afasta o público e criadores em potencial.
No decálogo do perfeito contista, Horacio Quiroga escreve: "Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o fim, sem ver nada além do caminho que traçastes para eles. Não te distraias vendo o que a eles não importa ver. Tenha isso como uma verdade absoluta, ainda que não o seja". Inspirado por seu autor favorito, Tchekov, o contista uruguaio defendia buscar apenas o essencial no texto, eliminando aquilo que se comporta apenas enquanto entulho na obra.
A estrutura de um conto muito se diferencia a de um romance. No lugar de floreios no texto, relações complexas e complicadas ao extremo e de tramas paralelas que se desenrolam ao redor da narrativa principal, encontra-se um relato claro, direto ao ponto e simplista. Não há como comparar os volumosos livros de G. R. R. Matin com qualquer um dos contos de Quiroga, exatamente pela natureza do gênero. Ainda assim, essa é uma das situações em que o peso econômico recusa histórias curtas e abraça tais romances, especialmente de autores conhecidos no mercado por publicarem sempre extensos livros com regularidade. Stephen King e Nicholas Sparks são apenas alguns dos nomes que podem ser citados, bombardeando livrarias com grandes volumes e direcionando o público a um modelo de livro extremamente específico.
Não que, em tais casos, os autores sejam responsáveis por isso. Novamente, reitero que esse apenas é um fenômeno social por conta da estrutura econômica atual e como o mercado editorial explora a percepção geral para vender o mesmo padrão literário. No entanto, sempre quando contistas furam tal bolha há motivo de sobra para comemorar. Jarid Arraes é uma dessas pessoas, e que além de contista é uma poetisa de marca maior, tendo publicado coletâneas de cordéis e contos e fazendo merecido sucesso. Sucesso apenas possível porque, em algum momento, leitores se permitiram conhecer outras formas de literatura para além dos romances clássicos de 200, 300 páginas...
Além da literatura, o mercado cultural que mais satura seus produtos, sem dúvida, é o mercado de jogos. Até porque, por ser um dos mercados mais caros de se ingressar, muitas pessoas podem se dar ao luxo apenas de consumir um ou dois jogos por ano, sendo atraídas por quanto tempo a obra pode durar ao invés de se preocupar com suas qualidades de um modo geral. Short Hike é o exemplo perfeito de um jogo cuidadosamente lapidado, produzido por um estúdio pequeno movido pela paixão à confecção da obra que nunca conseguirá ser visto com os mesmos olhos do que um jogo criado pelas gigantescas indústrias do mercado que o inflam com jogos baseados em ciclos desbalanceados de repetição, como jogos multijogadores baseados na mecânica do "Battle Royale" (resta um), ou com mapas gigantescos e genéricos sem um propósito de existir além de poderem ser vendidos como experiências duradouras (é o caso de Cyberpuk 2077, com suas grandes promessas e conteúdos vazios), que além de tudo servem para manter viva a tradição de exploração de trabalhadores na confecção de jogos.
Tal sistema ofusca, contudo, não apenas jogos curtos, também afetando gêneros como um todo, fazendo-os se tornar completamente invisíveis aos olhos do público. O jogo brasileiro Dandara é um grande exemplo de tal efeito, que apesar de ter uma longa duração não consegue atrair atenção além do nicho por se tratar de um jogo plataforma voltado à exploração. Novamente, vemos um padrão sendo criado para grandes empresas explorarem a situação socioeconômica e que, por ser inalcançável por pequenos produtores, inviabiliza a proliferação de novas ideias no mercado.
O longa brasileiro "Noite Amarela" é apenas um dentre vários que se escondem por trás das grandes bilheterias. Estranho, medonho e cativante, é um filme que não se estende além do necessário e trás algo de novo consigo. Aliás, todas as obras que trouxe nesse texto, em sua maneira, são exatamente isso: algo genuíno.
Talvez um dia políticas de incentivo à cultura voltem a ser norma no país. Assim o espero, com toda a sinceridade, visto que a situação atual é apenas um retrato da falência das instituições brasileiras, vítimas da ignorância das elites que manipulam os olhares do público à mesmice. Até lá, entretanto, analisar de que forma e as razões pelas quais consumimos é uma forma de se abrir a novas ideias e a novas maneiras de se pensar.
Texto de Lucas Barreto Teixeira
O presente texto foi trazido a você pela campanha de contribuição coletiva financiada por nossos leitores. Agradecemos de forma mais sincera a todos os apoiadores.
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