Arsène Lupin é um dos mais icônicos personagens da literatura, rivalizando com Sherlock Holmes, os Três Mosqueteiros e diversos outros. Estabelecido enquanto arquétipo, já apareceu em jogos como Persona 5, em filmes como O Castelo de Cagliostro, peças de teatro, séries, livros de outros autores que não os originais de Maurice Leblanc... mas, definitivamente, em nenhuma outra obra vi seu personagem melhor representado do que em Lupin, série francesa produzida pela Netflix. Além de uma surpresa extremamente agradável, a produção se revelou como uma verdadeira lição de como uma narrativa deve ser adaptada.
São vários os fatores que fazem Lupin ser memorável. O protagonista, interpretado pelo elegante e talentoso Omar Sy, a narrativa, cheia de mistérios e cenas mirabolantes que prendem a atenção do público, e os antagonistas e figurantes, que aqui servem como escadas para a estrela da história brilhar. Mas vamos por partes.
Já no piloto, somos apresentados a Assene Dio, nome criado de forma inteligente com sonoridade reminiscente do icônico "Arsène", ao mesmo tempo em que indica a origem senegalesa do personagem. À primeira vista, o protagonista aparece como um funcionário no Louvre, endividado e com problemas familiares, e que em um ato de impulso resolve roubar uma peça rara em um leilão milionário. Em seguida, no entanto, tal imagem é desfeita em um elegante e simples ato, revelando, em seu lugar, uma mente brilhante, moldada pelos textos de Leblanc com o propósito de usar a ignorância da elite econômica a seu proveito. Nesse contexto, utilizando-se das táticas descritas nos romances de Arsène Lupin, Assene se transforma, não apenas assumindo o manto como também se moldando a partir do ladrão, fazendo com que sua identidade seja uma problemática em si na narrativa.
O grande diferencial de Lupin, entretanto, não está nesses elementos em geral. Seu grande charme está na adaptação do personagem; Aliás, na forma como conseguem evoluir seus traços em geral. Em síntese, Arsène é um ladrão pitoresco, com um leque de truques milaborantes executados por um homem galanteador e carismático. Lupin, então, reinventa seus truques na modernidade, de tal modo que Assene consiga usar o preconceito e sua invisibilidade social a seu proveito. Aqui, ele não precisa praticar a literalidade do texto, passando a usar tecnologias simples e acessíveis a seu proveito, como um grande mágico o faria em um espetáculo exagerado. Em outras palavras, os produtores não tiveram de apelar para uma mera modernização do personagem, como o é feito em Sherlock, ou a uma narrativa em que personagens mergulham na loucura por lerem textos clássicos, como em The Following. Na verdade, a série foi capaz de realizar uma leitura sensível pela perspectiva necessária para se atualizar os temas abordados por Leblanc de forma justa e necessária para difundir o autor a novas gerações.
Sem dúvidas, Lupin deveria ser usado como exemplo a todos que desejam atualizar narrativas clássicas. Além de ser uma série fantástica, apresenta-se enquanto um verdadeiro deleite aos atentos às origens da narrativa. Entretenimento divertido e uma aula bem dada a quem quer que interesse.
Texto de Lucas Barreto Teixeira
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