Com a estreia da série Bridgertons, fui convencido por uma amiga a ler os livros antes de assistir aos episódios, a intuito de comparação. Estava intrigado, confesso, com a liberdade tomada pela equipe criativa de abandonar a precisão histórica para contar uma história voltada a um público mais abrangente com questões modernas ao redor do romance. Não escondo que adoro quando produções realizam tais releituras, vide o incrível musical Hamilton, mas ainda assim, fui convencido a ler os romances antes. Claro, ler os nove livros em tão pouco tempo é uma tarefa árdua, e não tenho tanto tempo para mergulhar em todos em sequência, mas ao acabar o primeiro volume, uma impressão não me abandonou, incomodando-me. "O Duque e Eu", primeiro romance da série de Julia Quinn, não é muito diferente de romances "hot" contemporâneos, flertando com um romance simples e elementos de boas fanfics da internet, de valores bem subestimados. O que me incomodou, entretanto, está na intenção da narrativa, ou em sua mensagem, romantizando o que parece estar criticando e vendendo ideias antiquadas.
Os problemas do romance estão muito mais em suas mensagens do que na habilidade literária da autora, competente e divertida. Não posso dizer, aliás, se tais elementos foram importados sem alteração na série, mas quanto ao objeto de debate, em si, não pude deixar de fazer determinados passarem batido. A premissa da série é simples, com livros distintos tomando como cenário Londres vitoriano com muitas liberdades criativas e sem qualquer apreço pela precisão histórica. No primeiro volume, a autora narra um romance aristocrata entre um duque libertino e uma dama inocente e pueril. A grande questão aqui, no entanto, é que o romance não tem nenhuma pretensão em usar clichês e valores antiquados para subverter qualquer expectativa do leitor.
Sou da opinião de que nem toda história tem a necessidade de impactar ou de chocar. Porém, é inevitável que ela gera algum tipo de reflexão, e ignorar isso é ser, de certa forma, ingênuo. Quando a autora recheia seu romance com personagens de valores trovadorescas (aliás, nem trovadores seriam tão castos) e guia suas páginas em uma narrativa sem consequência das ações desastrosas de seus personagens, a obra acaba romantizando situações absurdas.
Não considero, contudo, essa atitude exclusiva a autora. A verdade é que se observarmos bem, conseguimos enxergar diversas obras que, ao tentarem criticar uma situação, acabam por romantizá-las. O que mais podemos ver na atualidade são filmes e livros que buscam criar personagens marginalizados moldados pela dor, tornando o absurdo em um grande espetáculo. Personagens racializados precisam sofrer abusos físicos e psicológicos ao seu redor, narrativas LGBT precisam de cenas de violência visual e nenhuma história envolvendo pessoas com deficiência pode deixar de ter ao menos uma cena em que tais personagens são ridicularizados e humilhados. É claro, viemos de um período em que tais situações eram encaradas como humor, em programas inclusive passados em rede aberta, e sem dúvida já avançamos muito de lá para cá.
Ainda assim, é surpreendente o quanto desses estereótipos ainda são repercutidas em produções, no geral. Novamente, nem toda obra tem o dever de ser uma grande crítica, mas quando se propõe a isso, é necessário entender quando essa intenção pode se reverter contra a própria obra. Quando comparado com as outras situações supracitadas, é até difícil enxergar tal falha no romance, mas ele ainda está lá, quando a protagonista não apresenta personalidade para além de sua persona matrimonial e submissa e seu parceiro romântico é valorizado pelos seus ideais de possessão ao corpo da esposa. Brigertons pode ser apenas uma série inocente e boba, mas é limitada pelos seus próprios temas, o que não deixa de ser uma lástima.
Texto de Lucas Barreto Teixeira
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