O Escritor
Já era noite. O dia tinha passado rápido demais. Nada de novo ocorrera na vida do homem.
Fumava na varanda de seu apartamento. Uma mulher o aguardava na cama, dormindo, com seu pagamento na cabeceira e com as roupas largadas no chão.
Uma coluna de fumaça cinza correu pelos seus lábios e voou pelo horizonte escuro da cidade. As ruas, iluminadas pelos postes velhos e enferrujados, estavam desertas. Nenhuma alma viva passava por ali.
Uma última tragada queimou superficialmente os dedos que seguravam o cigarro. Deixou as cinzas caírem das alturas, sendo levadas pelo vento bucólico da escuridão dilacerante. Sentia um imenso peso no peito. Precisava molhar a garganta.
Levantou-se e deixou para trás a noite cálida de inverno. O quarto era iluminado apenas pela fraca luz de um abajur em sua escrivaninha, revelando a pele clara da mulher em sua cama. Passou por ela e alcançou a sala, onde pilhas e pilhas de livros obstruíam a passagem. Deu o melhor de si para alcançar o outro lado, mas ainda assim derrubou algumas. Na cozinha, modesta e pequena, procurou por alguma garrafa com qualquer bebida dentro, em vão. Suspirou pelo fracasso de sua busca. Iria comprar algum uísque lá fora.
Foi quando, de relance, viu seu reflexo no espelho da entrada do cômodo, quebrado e sujo. Dos fragmentos do vidro, viu seu rosto cansado e triste. O cabelo, desgrenhado e podre, saltava de sua cabeça, como um monstro. Os dentes estavam amarelados e podres, sustentados por gengivas fracas e avermelhadas. Uma barba começava a surgir em seu rosto, tão podre quanto o cabelo.
E tinham os olhos.
E tinham os olhos.
Pálidos, cinza e cansados, envoltos por camadas arroxeadas de cansaço e sofridão. Aqueles olhos, antes grandiosos e soberbos, agora viam apenas uma criatura pouco mais importante que um animal apodrecendo no asfalto. Um pouco menos viva que uma folha morta de outono.
Duas lágrimas despencaram daqueles olhos. E só.
O grande escritor Pedro Gonçalves, autor de obras como "Uma flor de primavera" e "Eu quero estar junto a ti, e outros amores", vencedor de diversos prêmios literários por seus contos românticos e profundos, conhecido por sua imensa sensibilidade e conhecimento cultural, pegou as chaves de seu carro para comprar uma garrafa de uísque para acompanhar sua situação patética e despretensiosa.
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Quando ouviu a porta batendo, Verônica se levantou da cama rapidamente. Vestiu-se, pegou o dinheiro na cabeceira e foi em direção da saída. Não se importou em derrubar os livros na sala. Desejava apenas sair o mais rápido possível de lá. O cheiro podre da casa a causava náuseas. O homem gordo e podre a enojava. Tudo lhe causava grande repulsa.
No entanto, ao chegar na porta, notou algo. Via um brilho entre os amontoados de livro. Voltou rapidamente e viu dois colares lindos de diamante. Perguntou-se como aquele homem os conseguira. Pegou-os para si e saiu do apartamento.
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Duas horas da manhã. O delegado Cavalcante preenchia as fichas criminais dos presos durante a madrugada. Na maioria dos casos, eram apenas jovens com drogas. Os ricos sairiam pela manhã, enquanto que os pobres seriam realocados para centros de reabilitação, de onde sairiam com uma mentalidade ainda mais criminosa. Estava cansado da segurança pública. Antes poderia até protestar, mas agora já não fazia mais sentido.
Os únicos policias na delegacia com ele eram Sílvia e Fernando. Cavalcante gostava da dupla. Eram bons agentes. Sabiam como trabalhar.
As celas estavam lotadas com figuras miseráveis que pediam ajuda médica ou comida. Alguns ali já estavam há mais de dois meses esperando pela transferência a alguma prisão que não estivesse superlotada. Quando algum prisioneiro morria, Cavalcante era quem precisava chamar o IML para arrastar o indigente. Uma vez, um riquinho da Zona Sul morreu espancado alguns minutos antes do pai, um juiz importante, chegar. Eles não tinham controle quando havia alguma briga no cárcere por causa da barreira que se fazia ao redor da confusão. Muitas das vezes, os policiais, e até o próprio Cavalcante, ignoravam as confusões. Era bom para eles limpar a sujeira das celas. Só que, naquela vez, o juiz tirou o couro do delegado. Cavalcante, a partir de então, passou a trabalhar sobre ameaças e inseguranças.
Uma ligação. Sílvia prontamente atendeu. Qualquer coisa era melhor que ficar na delegacia preenchendo papelada. Falou rapidamente e foi até Cavalcante.
Foi ouvido um som de tiro aos arredores da zona norte. Cavalcante checou o relógio. Ainda eram duas e quinze. Seu turno acabava em quatro horas. Com sua intuição policial aguçada, supôs que, se tivesse ocorrido um homicídio, a vítima era algo não muito melhor que um bêbado. Mas, realmente, qualquer coisa era melhor que ficar na delegacia preenchendo papelada. Cavalcante liberou Sílvia e Fernando para investigarem a origem do tiro.
Mal sabia o delegado o quão ocupados ficariam após a ligação...
Fim da Parte I
Texto de Lucas Barreto Teixeira
Baseado nas ilustrações de Oswaldo Goeldi
Baseado nas ilustrações de Oswaldo Goeldi
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