Apenas
os privilegiados que já tiveram a honra de conhecer a Bahia, seus mares, seus
cheiros e seus gostos, são capazes de discernir o afrodisíaco de todo o resto.
Dentre todos seus conterrâneos, no entanto, poucos tiveram tamanho conhecimento
profundo dessa terra quanto Jorge Amado. O escritor, autor de obras clássicas
da literatura como “Gabriela” e “Capitães de Areia”, foi um dos poucos capazes
de traduzir a linguagem transmitida pela cultura baiana.
Dentre
a miríade de seus textos, Jorge Amado foi responsável pela produção da novela
“A Morte e A Morte de Quincas Berro D’água”. No livreto, conta-se a história da
morte de Quincas, um bêbado maltrapilho, antigo respeitável servidor público,
Joaquim Soares da Cunha. Ao encontrar o defunto, a família resolve fazer uma
cerimônia religiosa, sacra, em memória à figura séria de Joaquim. Exposto em
uma sala escura, iluminada apenas pelas velas, Quincas fora trajado com roupas
cerimoniosas que não condiziam à sua verdadeira vida boêmia e alegre.
Entretanto, ao tomarem conhecimento da morte de Quincas, seus amigos marcham
solenemente até a cerimônia, onde são recebidos friamente como marginais.
Então,
após certo tempo de vigília, o ar da Bahia espreita a sala escura, apagando as
velas e iluminando a sala com o sol baiano. Os amigos, que já se encontravam a
sós com o morto, viram no sorriso debochado de sua fisionomia a vida que ainda
não abandonara o bêbado. Assim, o grupo retira Quincas do caixão, tira dele as
roupas sufocantes e o levam para festejar, até irem a uma navegação, onde
Quincas morre ao ser lançado ao mar, como era desejado pelo homem.
Com
a novela, Jorge Amado traz de volta uma ideia antiga da literatura. O
naturalismo presente na obra é evidente, uma vez que a terra proporciona uma
alteração total no comportamento das personagens. Primeiro, Joaquim é
corrompido pela Bahia e passa de um homem honrado a um bêbado. Depois,
novamente, na ocasião de seu velório, o ar salgado do mar o faz voltar
momentaneamente à vida para morrer não como um engravatado qualquer, mas como
um homem da terra e do mar.
Apesar
disso, o escritor não aparenta delegar ao naturalismo um sentido ruim. Pelo
contrário, já que, para ele, os baianos, completamente apaixonados pela sua
origem, são os heróis da história, enquanto que a família, formal e pautada em
valores morais, é descrita como poço de intrigas, calúnias e hipocrisia. Assim
sendo, Jorge Amado pauta seu texto na ideia do “Bom Selvagem”.
A
teoria do Bom Selvagem foi uma tentativa do filósofo iluminista Rousseau de
confrontar as ideias políticas que sustentavam o Antigo Regime, em especial, a
teoria do contrato social de Thomas Hobbes. Ao contrário do filósofo inglês,
que acreditava ser necessário um Estado absoluto para controlar os desejos
naturais dos homens, egoístas e individualistas, Rousseau acreditava na
integridade do homem no estado natural. Dessa forma, o selvagem seria essencialmente
justo e bom. No entanto, o Estado, ou a sociedade, seria responsável pela
corrupção do homem, tornando-o mal e egocêntrico.
De
forma análoga, Jorge amado parece se aproveitar dessa teoria para construir
seus personagens. Também, em “Capitães de Areia”, o naturalismo da Bahia parece
servir como esperança às crianças esquecidas pela sociedade, acolhidas apenas
pelo manto estrelar da noite, dormindo na areia da praia que invadiu, no
decorrer do tempo, a casa onde se escondiam.
O
amor de Jorge Amado pela Bahia, portanto, não cabe apenas em sua cultura.
Afinal, assim como ocorreu com seus personagens, a alma dessa terra
esparrama-se pelo corpo e invade a própria forma de existir. Misturando o
romantismo em volta da natureza formosa com o determinismo dos mares que banham
suas costas, Jorge Amado foi capaz de criar algo novo com sentimentos
conhecidos apenas pelos abençoados pela riqueza baiana.
Texto
de Lucas Barreto Teixeira
Gosto muito de Jorge Amado, da Bahia e destas suas colocações sempre tão cheias de significados.
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