Com o anúncio do remake de "The Legend of Zelda - Link's Awkening", na última semana, me vi refletindo a cerca da história da franquia, lembrando dos jogos lançados desde 1986, que tecem uma gloriosa narrativa, envolvente e profunda. Após relativa reflexão, recordei-me de algumas ideias tiradas das longas horas que passei desfrutando nas pradarias selvagens de Hyrule, e percebi o quão profunda uma experiência com os jogos de Shigeru Miyamoto podem ser. Nesse sentido, escolhi compartilhar algumas dessas reflexões por aqui, alçando um entendimento maior e mais amplo dessa bela obra.
O primeiro contato com uma arma é o que dá início à aventura de Link. No entanto, ao invés de ser uma companhia ao herói, aparenta uma espécie da maldição.
O herói, abençoado pela coragem, vê sua vida pacífica se transformar em uma verdadeira batalha pela sobrevivência, tornando-se a única esperança de paz na região. Dessa forma, desbrava as masmorras mais obscuras e sinistras para cumprir com seu destino.
O vilão, entretanto, é capaz de livrar-se de qualquer convenção passada, libertando-se. Com o dom do poder, revela o estado mais primal de si, revelando uma faceta hobbesiana. Afinal, beirando um aspecto bestializado, revela-se egoísta, instintivo e ganancioso. Ainda assim, sem a sabedoria de como poder usar sua liberdade, e sem a coragem de tencionar algo novo - diferente daquilo que fora realizado no passado - acaba por falhar, perdido em suas ambições. A liberdade, é claro, é uma arma apenas quando sabiamente utilizada. Sentindo-se incompleto, Ganondorf, o ser livre e ignorante, almeja vorazmente o monopólio das três forças.
O Herói Solitário
Após o terrível demônio Ganon sequestrar a princesa de Hyrule, Zelda, cabe a Link, o grande herói da profecia, resgatá-la das garras do vilão e fazer a paz retornar ao reino. Para tal, entretanto, o herói deve encontrar a Triforce, de onde emana o poder dos deuses. Essa é a sinopse do primeiro "The Legend of Zelda", lançado em 1986 para NES. No jogo controlamos Link, o herói improvável dessa grande missão. Pequeno, com um design infantil, inicia o jogo sozinho, em meio a um campo obscuro, desprotegido das ameaças do mundo adiante. Para prosseguir com o jogo, Link deve se encaminhar em direção a um calabouço, onde um ancião presenteia a criança com uma espada, enquanto diz, poeticamente:
It's dangerous to go alone. Take this.A fórmula usada nesse início se repete nos outros jogos da franquia. Em "A Link to the Past", Link se vê obrigado a resgatar a princesa após a morte de seu tio, que em seu último gesto em vida presenteia a criança com sua espada. Em "The Wind Waker", o herói deve resgatar sua irmã, Aryll e, para tal, se apropria de espada e escudo.
O primeiro contato com uma arma é o que dá início à aventura de Link. No entanto, ao invés de ser uma companhia ao herói, aparenta uma espécie da maldição.
A Maldição do Herói
Link, subitamente, presencia um grande evento que destrói toda sua concepção de mundo. Em "Twilight Princess", como exemplo, o jogador vivencia essa quebra de um modo muito significativo, uma vez que experimenta uma vida pacata no vilarejo inicial para, em seguida, observar uma grande invasão de monstros crepusculares que sequestram seus amigos e torturam-no pelo acolhimento carcerário. Motivado pelas suas perdas, recebe a missão divina de salvar Hyrule, a fim de cumprir o destino a ele traçado pelas eras.
A Maldição, portanto, é o destino cruel que Link deve reviver ao longo de inúmeros intervalos de tempo. Contudo, ela não seria nada não fosse o poder máximo das divindades de Hyrule - a Triforce.
A Tríade
Link, Zelda e Ganondorf.

A princesa, por outro lado, abençoada com o dom da sabedoria, carrega consigo as responsabilidades de sua dinastia, tendo de assumir a liderança de Hyrule, governando com sapiência pelo bem de seu povo. Ambos, contudo, são incapazes de escapar do destino, agarrando-se com todas suas forças na verdade absoluta de que, de alguma forma, eles são importantes.

A Princesa Filósofa
Platão acreditava que o Estado ideal seria comandado por um filósofo. Consciente de todos os anseios sociais e humanos, o Rei Filósofo seria o mais capaz de estabelecer regras que prezem pelo bem-estar social. O regime comandado pelo mais capaz seria, em tese, o melhor dos regimes.
Por outro lado, a utopia de Platão seria possível apenas por um líder autoritário, que pregasse sua visão de justiça ignorando as diversas concepções do que é certo.
A princesa de Hyrule representa uma visão um pouco mais fantasiosa da visão de Platão, embora não menos cruel. Em "Skyward Sword", por exemplo, Zelda, no início da história, é ainda jovem, com uma perspectiva muito inocente da realidade, até que a maldição da Triforce a arrasta ao trono de sua terra, fazendo-a amadurecer de forma bruta, assassinando o espírito humilde e fazendo nascer seu lado autoritário.
Em "Wind Waker" o contraste é ainda mais notável, visto que, em um primeiro momento, Zelda nega com fúria seu destino, almejando permanecer no mar, em sua vida livre e alegre, mas acaba sendo tragada a um reino perdido e antigo.
Além disso, a princesa acaba desfrutando da mesma solidão do herói. A sabedoria, bem como a coragem, são elementos de reflexão interna, possibilitando uma busca por si mesmo. Como ela, porém, não usufrui dos benefícios da coragem, sua reflexão passa para um entendimento amplo, e não subjetivo. Ele, em contraponto, não possui a sabedoria para se encontrar, tornando-se um grande altruísta.
Elegia
No fundo, "The Legend of Zelda" é um grande triunfo da incapacidade humana de se compreender. A solidão, o sentimento bucólico, as músicas simples e tenras, o destino intransigente; a narrativa é, por fim, o quadro melancólico em que se aprecia o triste fim da individualidade. Tal como uma Elegia, tece versos de uma beleza prematura, reconhecendo a impossibilidade da perfeição humana. Tenciono concluir essas pequenas reflexões a cerca do grande universo de Miyamoto apenas com uma comparação final:
Há uma semelhança entre a jornada de Link e a existente no clássico romance "O Velho e o Mar", de Ernest Hemingway. Contudo, o velho esperançoso dá lugar a um jovem angustiado pelas suas perdas, igualmente destinado a cumprir suas tarefas como uma terrível obrigação, cobrando-lhes muito e recompensando com falsas promessas. O Herói Solitário é, antes de tudo, um homem sem escolha, destinado a uma falsa pretensão de glórias, marcado ao sofrimento eterno. É uma espécie de homem moderno incapaz de refletir sobre si mesmo ou de mudar sua condição, enquanto é governado por tiranos e ameaçado pela barbárie daquilo que deve proteger - a própria humanidade, em seu estado mais cru.
Texto de Lucas Barreto Teixeira
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