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Em defesa de Skyward Sword

 Não é todo dia que sua franquia favorita faz 35 anos. E não por acaso aproveito essa data para falar ainda mais sobre The Legend of Zelda, que particularmente sempre me dá assunto para falar (dá uma olhada neles aquiaqui e aqui também). Então hoje tive a súbita vontade de falar sobre Skyward Sword, último jogo da série antes de Breath of The Wild, lançado há dez anos atrás no Nintendo Wii. Tá, talvez não seja uma vontade tão súbita assim, afinal a Nintendo anunciou uma versão em HD para o Switch, que foi recebido de uma forma bem pouco amigável online. Aparentemente, o título é visto como um dos piores da saga, e amplamente criticado pelo público geral. Nesse sentido, quis abrir um pouco meu coração para falar do jogo que me introduziu a essa tão maravilhosa série.


Skyward Sword é um jogo extremamente simbólico. Simbólico por ser a culminação de 25 anos de Zelda, simbólico por sua ousadia nos aspectos de controle e simbólico por seu impacto. Mas vamos por parte. Para a grande maioria das pessoas, Skyward Sword é apenas um jogo medíocre, que falha ao tentar implementar controles de movimentos na forma de se jogar e com uma narrativa lenta e repetitiva. E acredito que tal percepção se dá por conta de certas escolhas dos produtores que atrapalham sim a experiência do público em geral. Qualquer um reconhece o quão irritante são as notificações da progressão da bateria do Wii Remote, ou como coletar itens se torna desagradável com as descrições detalhadas aparecendo constantemente. Ainda assim, não há porque se apegar em pequenezas quando há tanto a ser descoberto aqui.

Skyward Sword começa com um sonho nebuloso de Link, imerso em trevas e dúvidas. Após ser sugado pelas sombras, é acordado subitamente, afim de se apresentar diante de Zelda, sua melhor amiga, no dia de uma importante cerimônia em Skyloft, uma grande cidade nas nuvens. A partir daí, somos apresentados a uma jornada do herói clássica, com Zelda sendo levada à terra por um tornado, e Link se apresentando para resgatá-la. No entanto, como eu disse, Skyward Sword é um jogo simbólico.

Vinte e cinco anos haviam se passado desde The Legend of Zelda original. Desde então, muito mudou no sentido de concepção de narrativa em jogos. Shigeru Miyamoto, criador de Zelda, Mario, Star Fox e inúmeros clássicos da arte, entendia a história em suas obras apenas como um motivador. Logo, bastava uma princesa em apuros, raptada por um grande vilão, para fazer o jogo funcionar. E, na época, isso realmente funcionou. A personagem Zelda, contudo, foi obrigada a evoluir ao longo do tempo, passando de mera princesa a uma sacerdotisa poderosa em Ocarina of Time, a uma pirata em Wind Waker até a uma líder política destemida em Twilight Princess. Zelda evoluiu com a série e com o mundo em geral. E em Skyward Sword, Zelda não poderia ser a melhor representação de tais mudanças.

Skyloft é de um arcadismo exagerado. A atmosfera idílica de cores saturadas é o cenário perfeito para se apresentar uma Zelda comum, de vestes brancas e de uma pureza ingênua completa. Tudo isso funciona como plano de fundo para o público poder quebrar suas expectativas. Quando Link chega na primeira masmorra, no fundo de uma floresta colorida e alegra, é recebido pela escuridão completa. A atmosfera é fria, com cadáveres e insetos prontos para o ataque. O choque instaura um senso de urgência, fazendo Link enfrentar oponentes fortes e que se deleitam com seu heroísmo infantil. Passa por todos os perigos apenas para perceber que Zelda já havia partido, para outras terras, sem necessidade de proteção.

Para mim, o tema central da franquia sempre foi o destino. Personagens distintos, com suas vidas normais, sendo obrigados a enfrentar a força de deuses imposta. Link sempre é o herói, Zelda sempre é a sacerdotisa. Juntos, devem enfrentar a força destrutiva dos cegos pelo poder. A grande questão é que a jornada sempre foi de Link, com Zelda servindo como uma guia. Aqui, entretanto, os dois amigos estão perdidos. Longe de casa, com missões diferentes, confiam um no outro para cumprirem seus deveres, sacrificando o que precisar ser sacrificado e amadurecendo.
Eis outra grande simbologia de Skyward Sword. Em um esforço de organizar a cronologia dos eventos dos jogos até então, foi decidido que a obra narraria os eventos que dariam origem a todas as aventuras pregressas em Hyrule. Dessa forma, como ambos amadurem repercuta posteriormente na história, e seus papéis definem os desempenhados por seus herdeiros. Link precisa acordar a espada que bane o mal, enquanto Zelda precisa encontrar suas forças internas e estabelecer ordem ao mundo destruído por guerras passadas. Guerras marcadas pelas sombras.
Existem sempre três. O Herói da Coragem, a Protetora da Sabedoria e o Senhor do Poder. Ganondorf se tornou o vilão clássico da franquia, desolado pelas injustiças contra seu povo, tornando-se vil com as impurezas do mundo. Em Wind Waker, quando o vemos vitorioso, com Hyrule destruída, encontramos um vilão maduro, arrependido e que se recusa a aceitar as consequências de suas ações. Por mais vilanesco que seja, ainda o é humano. Assim, Skyward Sword precisa de um antagonista anterior a tal maldade. Demise é apresentado nesse sentido, como a representação pura do mal, pitoresca, monstruosa.
Simbólico. Talvez essa palavra esteja sendo usada de forma exagerada nesse texto. Mas não há outra forma de se falar de Skyward Sword. Com o controle, não apenas vivenciamos a jornada de Link como a realizamos de forma literal. Com os personagens, os principais arquétipos da série são formados. Com a narrativa, vemos a evolução da série de forma orgânica e deslumbramos o futuro da franquia. Isso tudo e ainda nem citei a Impa, que aqui se é representada da melhor forma em todos os 35 anos de série, e o incrível Groose, um dos maiores personagens da franquia.
E aqui encerro minha defesa a Skyward Sword. Se possível, considerem dar uma segunda chance. Ou tentem pela primeira vez. Se ainda assim o jogo não agradar... bem, isso nunca seria um problema, é claro, de forma alguma. Assim como toda obra merece a mínima defesa, nenhuma crítica deve ser desconsiderada e, no fim, gosto é gosto. No mínimo, contudo, espero que minha paixão por tal obra fique impressa nesse singelo texto.

Texto de Lucas Barreto Teixeira

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