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A felicidade aristotélica em Vinicius de Moraes

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Dentre os diversos movimentos artísticos e filosóficos, o pensamento Clássico ainda é um dos mais influentes. Tales de Mileto, Heráclito, Parmênides, Sócrates, Platão... As ideias desses e outros pensadores não somente pautaram grande parte do desenvolvimento social de toda a história mundial como também influenciaram grande parte de intelectuais, artistas e cientistas. E é, talvez, Aristóteles um dos maiores influenciadores desse período, afinal, o pensamento aristotélico pautou o diversos pensamento e ideologias, prevalecendo no âmbito filósofo e religioso em sua integridade até o Renascimento e as Revoluções Científicas.

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.)
O pensamento aristotélico abrange diversas áreas de conhecimento diferentes, incluindo a arte, a política e a percepção da realidade. No entanto, hoje abordarei de forma bastante reduzida apenas um de seus conceitos. Desse modo, escreverei de forma concisa sobre seu conceito teleológico e o "Bem Supremo", ou a finalidade da vida, relacionando suas ideias com a composição de Vinicius de Moraes, "O Samba da Benção".
Para dar princípios à discussão, deve-se entender a teleologia. Para Aristóteles, tudo possui uma finalidade. O tratamento médico, por exemplo, tem a finalidade de se buscar a saúde. Já a construção de um navio, visa assegurar a segurança, ou atividades comerciais, que por sua vez possuem outras finalidades, e assim por diante.
Seguindo a percepção, destaco, dentro da poesia supracitada, os seguintes versos:

Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Antes de prosseguir com a análise, vale escrever um pouco sobre a vida de Vinicius de Moraes. O carioca, poeta, diplomata, músico, crítico literário e essencialmente lírico em sua obra, foi um dos principais nomes da Bossa Nova, movimento musical do final da década de 1950, ao lado de Tom Jobim, João Gilberto e outros grandes nomes do samba e da poesia brasileira. A importância de Vinicius de Moraes também repercute no âmbito literário, uma vez que resgatou elementos românticos do século XIX. Afinal, além de possuir amplo conhecimento artístico proveniente de seus estudos, Vinicius de Moraes era um romântico de alma, nunca conseguindo sufocar a paixão que sentia pelo sexo feminino, evidenciando o dionisíaco em sua alma.

Vinicius de Moraes (1913 - 1980), autor de "Garota de Ipanema", "Soneto da fidelidade" e muitas outras composições.
Relacionando o verso destacado anteriormente com a vida do boêmio poeta, pode-se interpretar que Vinicius de Moraes busca dar uma finalidade aos seus poemas. Nesse caso, o autor defende a finalidade do samba, resultado da tristeza proveniente da vida e da existência, tem a finalidade de um dia cessar de ser triste. Nos seguintes versos, explicita-se que o samba provém da tristeza que todo homem possui.

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão 

Dessa forma, sendo o samba resultado de uma tristeza idealizada e feminina, Vinicius busca compreender não apenas sua criação artística como também sua paixão incessante. E o sentido que ele atribui é a finalidade da felicidade.
Da mesma forma, Aristóteles define que a finalidade da vida é a felicidade em si, alcançada por meio da política, sendo possível apenas em um esforço coletivo. Ora, realmente, em tudo que fazemos, almejamos um prazer ou um sentimento perene de se sentir confortável. Portanto, Aristóteles, com sua afirmativa, consegue desvendar muitos dos anseios humanos. Mas ainda assim, para Vinicius de Moraes, no momento em que alcançamos a felicidade, tornamo-nos incompletos.

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração 

Nessa estrofe, o poeta exemplifica a importância da poesia e da arte. Para ele, a arte é uma forma de nos comunicarmos com o divino, como se ela nos dignificasse e nos elevasse em nossa percepção de realidade e mundo. No entanto, para a arte ser criada, o artista precisa estar em um âmbito isolado da felicidade - a tristeza -, mesmo esta sendo a finalidade da vida. Afinal, Uma mulher, ou a vida em si, deve ter algo além da beleza.
Logo, ao mesmo tempo que almejamos a felicidade, sabemos que nunca poderemos alcançá-la em sua integridade. E isso não é necessariamente ruim, uma vez que a busca pela felicidade continua servindo como propósito de vida para a humanidade. E ainda, deveríamos aprender com Vinicius de Moraes a tentar converter a tristeza da existência em um produto artístico, de forma com que possamos nos aproximar um pouco mais do divino, da vida, e da existência em si. E, como defendido por Aristóteles, esse esforço pode ser coletivo. No "Samba da Benção" mesmo, Vinicius acaba a canção agradecendo e pedindo benção para diversos artistas tão brilhantes quanto ele, evidenciando a noção de coletividade agregada pela arte.
Arte essa responsável pela eternidade da alma dos grandes poetas, filósofos e todos os grandes artistas, que vivem como a melodia leve e bonita do samba.

Texto de Lucas Barreto Teixeira

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