Verônica
Verônica saiu do apartamento agarrando as jóias de diamante. O corredor do edifício era escuro, estreito e emitia um odor desagradável. Sua sombra era projetada na parede pela parca luz que vinha do apartamento de Pedro Gonçalves.
A noite já havia começado estranha. Todos os dias, exibia seu corpo na esquina da rua de um bar nobre, esperando um cliente rico e bêbado o suficiente para lhe pagar bem e para não lhe dar muito trabalho. E na maioria das vezes, tinha relativo sucesso. Faturava um bom dinheiro com sua carreira de profissional da noite. Muitas das vezes, aliás, se via como a própria personificação da penumbra, como se guardasse em si os segredos e os desejos do crepúsculo.
No entanto, daquela vez, ao invés dos habituais carros de esporte que a vinham buscá-la, um calhambeque, com a lataria caindo aos pedaços, fora ao seu encontro. Era um homem grotesco, fedorento e rude. Verônica tentara se afastar da visão nefasta que a perseguia, até que o homem a alcançara. Conversaram rapidamente. Verônica dissera o quanto iria cobrar dele, aproximadamente o dobro do costume. O homem apenas dera de ombros e mostrou uma quantidade exorbitante de dinheiro.
Quatro horas depois, estava ali, segurando seu dinheiro, dois colares de diamante e buscando uma saída do edifício. Encontrou então as escadas no meio da penumbra.
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Acordou tarde, com a cabeça girando. O sol já estava se pondo, e as ruas novamente se esvaziavam. Cavalcante sentiu o ar abafado da tarde se espreitar pelas janelas de seu quarto. Sentia uma tremenda enxaqueca, acompanhada de uma terrível dor no estômago. Devia ser fome. Checou o relógio. Já eram quatro horas. O inverno encurtava os dias e acelerava a vida.
Levantou-se e foi à cozinha. Pegou duas latas de cerveja e restos de uma pizza da semana anterior. Comeu calado na escuridão de casa. Lembrava-se aos poucos dos ocorridos da madrugada. Pegou seu celular, que anunciava treze ligações perdidas de Joana e cinco mensagens ameaçadoras de um número desconhecido. Julgou se seria adequado ligar para a mulher. Droga, realmente sentia falta de seu corpo. Mas precisava sair em, no máximo, trinta minutos.
Acessou a internet e digitou Pedro Gonçalves. Várias notícias e críticas apareceram na tela. Nenhuma sobre sua morte. Será que literalmente ninguém se importava com o escritor?
Abriu o primeiro endereço. Era um de seus poemas românticos, acompanhado de uma crítica sagaz e culta, embasada no conhecimento formal e em uma vasta cultura. Enjoou rápido do texto.
O segundo endereço era uma crítica sobre um de seus últimos romances, vinda do mesmo site que havia elogiado tanto seu discurso melodramático. No entanto, dessa vez o autor era descrito como "sórdido", "sujo" e "covarde".
Cavalcante decidiu abrir um de seus novos contos. Falava-se sobre um bêbado cambaleando de um lado para outro por um bar sujo e escuro. A cada passo do bebum, o proprietário ria com um dos serventes. Até que o bêbado parou com sua andança e exclamou: "Onde é o banheiro?!", e o proprietário, aos risos, apontou para uma porta de onde ele tinha acabado de estar. O bebum então resmungou uma reclamação e mijou no meio do salão, para descontentamento de ambos zombeteiros.
E acabava assim.
Cavalcante achou genial.
Quatro e quarenta e cinco. Resolveu ligar para Joana. Ela não atendeu. Deu de ombros, leu mais um conto do morto, pegou suas coisas e foi para a delegacia.
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O frio da noite a fazia tremer. Mesmo com o casaco que a encobria, os ventos de inverno pareciam invadir cada íntimo de sua alma.
Sentia um peso em si. Não sabia exatamente o que era, como se fosse um misto de culpa com preocupação. Mas apesar de tudo, não sabia por que se sentia assim. Apenas sentia. E bastava.
Verônica puxou o capuz do casaco e deixou escapar ar quente de se lábios lívidos e rebuscados. A rua não estava movimentada como de costume. O peso se localizava no peito. Não achava que aguentaria tamanha pressão. Puxou ainda mais o capuz e passou a caminhar em direção a um ponto de táxi.
Chegou a passar por algumas de suas companheiras de ofício. Mulheres da noite, vítimas da brutalidade da existência. Apenas Verônica parecia sentir gosto na carreira. Sentia-se dona de si mesma. Não dependia do sexo ou dos homens para viver. Era completa em si.
Então, a presença daqueles seres desgraçados deu espaço ao vazio. Ao vazio completo das sombras e das luzes noturnas dos animais nefastos urbanos. Poderia chegar um táxi na próxima esquina. No entanto, subitamente, um indivíduo, ainda mais encoberto pelo crepúsculo e pela atmosfera cálida, surgiu em sua direção.
Os dois caminhavam com passos calculados, respirando soturnamente e carregando segredos. Verônica não reconheceu a feição do rosto, desfigurado pela noite. Uma voz rouca chegou aos ouvidos da mulher. Uma voz abafada, contida, animal.
As Joias...
Verônica arregalou os olhos, mas continuou andando. Alcançou o ponto. Entrou em um táxi. Partiu.
Fim da Parte III
Texto de Lucas Barreto Teixeira
Baseado nas ilustrações de Oswaldo Goeldi
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