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Palavra do Poeta - Dia 23 de dezembro


23 de dezembro
Quando cheguei no trabalho, Douglão saiu chorando do escritório do chefe. Quando ele me viu, veio em minha direção, com um olhar que mataria um animal. Deu um berro e esmurrou minha cara com um soco que só vi em filme de gringo na tevê. Mathias conseguiu puxar Douglão para trás enquanto ele gritava: “Imbecil! Babaca!”, além de outras baixarias. Uns seguranças do shopping viram a confusão e levaram o Douglão. Não estava entendendo nada, até que o chefe veio me ver. Ele tinha demitido Douglão. Começou com uma série de desculpinhas como: “corte de gastos”, “tempos de crise” e “dificuldade econômica”.
Entendi então que eu fui o responsável pela demissão de Douglão. Abaixei os olhos, concordando com o chefe. Pior que Douglão era um cara legal. Fui lavar o rosto, a mando do chefe, para tirar a mancha de sangue que escorria do meu nariz. Quando sai do banheiro, já tinha um cara no lugar de Douglão.
No meio da tarde, o chefe me chamou no escritório. Ele viu que eu estava com um corte no lábio e decidiu que eu não poderia trabalhar assim. Achou de bom grado que eu fosse mais cedo para casa. Ele me pediu para não me preocupar, já que o fluxo estava fraco. Quando saí da loja, percebi o imenso fluxo que queimava o estoque da loja. Sinceramente, não consegui entender por que o chefe teria mentido.
No caminho para o ponto de ônibus, encontrei a novinha. Ela estava chorando em um banco na rua. E estava sem aliança. Dei um grande sorriso ao me deparar com essa cena. Fui me aproximando com calma e perguntei por que ela chorava tanto. Acontece que ela tinha terminado um relacionamento e, por ter faltado ontem, perdeu também o emprego. Sugeri que fôssemos beber cerveja.
Agora, enquanto escrevo, ela dorme na minha cama, logo atrás de mim. Gostaria de tentar descrever essa cena. Seu corpo mulato sobe e desce a cada segundo, acompanhando sua respiração que deixa um doce frescor no ar...
O que estou fazendo? Diabos, não sou poeta!


Fim da Parte III
Acesse a Parte Final
Texto de Lucas Barreto Teixeira

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