Nos dois últimos dias, 15 e 16 de abril, em meio a um cruel e nefasto surto pandêmico, perdemos duas das mais brilhantes mentes da literatura brasileira contemporânea. Rubem Fonseca, o "cineasta frustrado" e Luiz Alfredo Garcia-Roza, criador do eterno delegado Espinosa, faleceram no mesmo local, o hospital samaritano, no Rio de Janeiro, palco de diversas de suas histórias, em uma diferença de quase vinte e quatro horas. Por mais penoso e árduo que seja escrever essas palavras, julgo ser necessário realizar uma singela homenagem a estes dois mestres, meus heróis, cujas obras influenciam e hão de me influenciar por muitos anos vindouros.
É importante destacar, desde o início, que já elaborei alguns textos sobre a obra de ambos autores, seja analisando o senso moral dos textos de Rubem Fonseca até compreendendo o idealismo epistemológico dos personagens de Garcia-Roza. Sendo assim, gostaria, dessa vez, de retroceder no tempo, em uma análise bem mais saudosista do que meramente técnica, destacando passagens essenciais e relembrando a estética noir presente em seus textos.
Recordo-me bem de meu primeiro contato com Rubem Fonseca. Por influência de professores, devorei o delicioso Bufo e Spallanzani, um suspense envolvendo o escritor Gustavo Flávio, um de seus vários personagens recorrentes, e sua amante, encontrada morta em seu carro, após suposto suicídio. Insaciável pela sua crueza e perversão, logo passara a explorar toda sua obra: retornando a Juiz de Fora, cidade natal do autor, por meio de sua Grande Arte, para depois explorar Berlim em um período pós Guerra-Fria, em Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, um ensaio onírico sobre cinema e amor, além de desconstruir a cidade do Rio de Janeiro com o Caso Morel e seus diversos contos: Os Prisioneiros, Feliz Ano Novo, O Cobrador...
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Recluso e avesso às interações da imprensa, Rubem Fonseca também apadrinhou diversos autores con- temporâneos e revolucionou a lite- ratura brasileira. Foto em shorturl.at/beAQT |
Aliás, são nos contos em que Rubem Fonseca encontrou, de fato, o brilhantismo literário. Por meio deles que seus personagens mais famosos surgiram, depois transmitidos as romances, e por meio de tais textos que o autor conseguia passar a sua visão estética e moral, especialmente no mais recente Romance Negro e Calibre 22. Ainda assim, acadêmico e estudioso, encontrava nos romances uma forma de estabelecer influências, como no caso de Agosto, onde explorou o gênero de romance histórico, mas nunca abandonando o gênero policial e a estética noir.
Por outro lado, conheci o professor e romancista Luiz Alfredo Garcia-Roza muitos anos depois, por mero acaso. Explorando sebos no Centro do Rio de Janeiro, hábito preferido do já citado Delegado Espinosa, viria a encontrar seu primeiro romance, O Silêncio da Chuva. Curioso, fui absorvido uma vez mais nesse novo universo noir, estabelecido em Copacabana, tendo como ponto principal o Bairro Pexoto e as várias ruelas da cidade, seja passando pela galeria Menescal ou pela própria Avenida Atlântica. Em todo caso, passei anos procurando o restante da obra de Garcia-Roza, sempre fora de estoque nas livrarias, mas sempre presente nos sebos, em feiras de rua e em coleções pessoais de leitores entusiastas. Apenas no final do ano passado fui capaz de completar a coleção de seus onze romances, um pouco depois do lançamento de seu décimo segundo romance, A Última Mulher.

Texto de Lucas Barreto Teixeira
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