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A força em Judas e o messias negro

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De todos os filmes abordados até o momento, "Judas e o messias negro" é o que, para mim, tem mais chance de ganhar a premiação. Não que isso seja indicativo para qualquer mérito do longa em si, mas acho importante destacar essa questão. Merecedor ou não, com certeza é um que mais se destaca, seja pela sensibilidade da direção de Shaka King ou pela história abordada em si, há muito que se pode extrair do longa.

Gostaria apenas de ressaltar um ponto importante trazido já no primeiro texto do presente especial do Oscar: nenhum filme vale arriscar sua proteção e saúde. Não saia de casa para se expor em uma sala fechada quando tais filmes podem ser encontrados de outras formas pela internet, ou apenas espere sair em serviços de streaming para apoiar a produção financeiramente. Tendo isso em mente, prossigamos.
"Judas e o messias negro" é baseada na relação verídica entre Fred Hampton (Daniel Kaluuya), uma das lideranças do partido dos Panteras Negras, e Bill O'Neal (Lakeith Stanfield), homem infiltrado no partido para vender informações ao FBI. A partir da relação dos dois homens, a trama se desenrola em uma perspectiva moderna sobre a visão das lideranças, reconhecendo e respeitando suas atitudes revolucionárias e estabelecendo um diálogo entre individualidade e lealdade com seus iguais. A produção, extremamente promissora, entrega um material da mais alta qualidade, com raras cenas de sobra, concisa e dialética.


No entanto, é claro, o filme se encontra em uma curiosa e igualmente estúpida discussão: a questão do protagonismo compartilhado. Afinal, de acordo com a Academia, nenhum dos dois personagens principais merece indicação em tal categoria, rendendo-lhes apenas indicações enquanto atores coadjuvantes. Alguns críticos apontaram a falta de protagonismo enquanto uma grande falha no roteiro... quando na verdade não o é. Explico-me: sobram exemplos de como narrativas conseguem dividir o papel principal para mais de um personagem, seja em jogos como Broken Age, livros como Os Irmãos Karamázov, e até mesmo em filmes, como em The Blues Brothers, Sete Homens e um segredo, animal cordial, onde está segunda?...
Exemplos não faltam de como o protagonismo pode ser compartilhado, e "Judas e o messias negro" entra nessa lista. A história é guiada e pautada pelas ações dos dois personagens, encontrando obstáculos pela força antagonista da polícia, representada no agente Roy Mitchell (Jesse Plemons, o Matt Damon genérico melhor que Matt Damon, que participou do filme mais injustiçado do ano, "Estou Pensando em Acabar com Tudo"), e entrega uma mensagem bela sobre a manutenção da memória das lutas sociais. A indignação aqui criada não se deve nunca à traição, e sim às circunstâncias que criaram as situações apresentadas, sempre de forma respeitosa.
Em todo caso, existe uma força na cinematografia desse filme. Afinal, apresenta um relato complicado e sensível com tremenda intimidade por parte de Shaka King, tornando-o em uma obra memorável. Ao deixar de lado as discussões vazias e sem sentido contra a técnica narrativa aqui empregada, descobre-se uma joia. 

Texto de Lucas Barreto Teixeira  

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