Pular para o conteúdo principal

Nomadland - a melancolia do abondono

  Acesse aqui os demais textos da série:


O Capital é traiçoeiro, individualista e cego. Este parece ser um tema comum aos filmes que concorrem o título de melhor filme na noite de premiações de Oscar, e "Nomadland" é capaz de entregar a mensagem de forma brutal e sincera. Apesar da narrativa arrastada, tudo no longa é estabelecido para compor um cenário sociopolítico devastador, consequência direta dos excessos e das falhas do sistema econômica dos Estados Unidos.


"Nomadland" não é um filme fácil, tanto por sua força quanto por sua montagem. A partir da perspectiva de Fran (Frances McDormand), uma mulher desamparada após perder o emprego com a quebra da empresa na cidade onde vivia, e que passa a viver dentro de seu trailer, em uma situação de nômade, conseguindo pequenos trabalhos nas cidades por onde passa. Assim, o público é convidado a entender sua solidão e a conviver com sua rede de apoio.
Não há muito mais a se falar sobre o longa. É um retrato duro, sim, e uma crítica perspicaz. Ainda assim, enquanto narrativa, é falha. Não há um enredo para sustentar tudo o que é colocado aqui, e embora essa seja a pretensão do roteiro, não é o suficiente para deixar o espectador engajado. Afinal, a direção tem a intenção de demonstrar, com extrema sutileza e pequenos momentos, a miséria do abandono. Entretanto, como o filme existe apenas com esses pequenos momentos, ele acaba não se sustentando.


Em muitos sentidos, a obra, inspirada no livro homônimo, possui um quê de inacabado. Meu maior problema com a produção é, sem dúvidas, o roteiro, escrito pela diretora Chloé Zhao. Apesar se sensível, é fraco, fazendo a empatia criada com os personagens se misturar com genuína indiferença na conclusão do enredo. Ao comparar com os outros filmes que concorrem o título, que aliás já foram, em grande parte, abordados aqui no blog, ele parece ter um problema similar com "Mank", o título favorito: a falta de inspiração.
Não basta mensagem para construir uma obra. Não basta sensibilidade com os temas abordados, ou competência técnica. Sem uma boa história, o interesse pela mensagem se perde, prejudicando o próprio sentido original da produção. As cenas iniciais de "Nomadland", por mais impactantes que sejam, trazendo verdadeira importância a uma situação importante a ser discutida, perdem-se em meio a sequências tão desinteressantes. O que é uma pena, visto que potencial não falta, com personagens bem estabelecidos e temática bem construída. A melancolia de se ver abandonada, vivenciada pela protagonista, também pode ser sentido no longa, com roteiro tão mal finalizado.

Texto de Lucas Barreto Teixeira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A hora da estrela - A epifania da morte

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré- história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.  Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré- pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se esta história não existe passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique. Meu coração se esvaziou de todo desejo e reduz-se ao próprio último ou primeiro pulsar. A dor de dentes que perpassa esta histór...

O controle de massas pela ignorância

Há diferentes formas pelas quais um autor pode se expressar na literatura. O gênero fantástico, com suas incontáveis vertentes, estabelece uma realidade absurda, seja ela futurista ou mística, improvável ou verossímil, complexa ou simples, de modo com que um problema possa ser abordado de forma mais criativa, dinâmica e elucidativa. Nesse contexto, as distopias foram formadas a partir da percepção política e social de certos autores em relação ao seu tempo, em que governos tiranos cerceiam as liberdades individuais, questionar já não é mais permitido, a a vida se torna fútil e patética. Dentre a vastidão de obras que se apoiam nesse princípio, três clássicos da literatura não apenas definem o gênero como também estabelecem uma série de correlações entre eles, criando uma vasta e complexa crítica à sociedade de nossos tempos. Da esquerda para a direita, Aldous Huxley, Ray Bradbury e George Orwell, respectivamente autores de "Admirável Mundo Novo", Fahrenheit 451" e ...

Blade Runner e a filosofia do absurdo

Particularmente, considero Blade Runner a obra cinematográfica mais impactante e profunda de ficção científica "cyberpunk". A película de Ridley Scott, baseado no livro "Androides sonham com ovelhas elétricas?", do escritor norte-americano Philip K. Dick, aprofunda o ambiente psicodélico onde o "caçador de androides" (blade runner) Rick Deckard vive e caça replicantes para gerar sua renda. Com diálogos profundos e abordando temáticas filosóficas, Blade Runner persiste até hoje no conhecimento geral como um marco no cinema mundial. Philip Kindred Dick, autor de "Androides sonham com ovelhas elétricas?", "O vingador do futuro" e muitos outros romances e contos (1928 - 1982) Antes de abordar o filme em si, sinto-me na obrigação de falar sobre o romance que originou a obra. "Androides sonham com ovelhas elétricas?" é o resultado de uma mente caótica e amargurada, buscando conforto em drogas, experiências libertinas e na co...